segunda-feira, agosto 14, 2023

Porto do Açu mais enclave e território de passagem do que desenvolvimento teve R$ 12 bi de movimentação em 2022

Muitos dizem que um porto é uma porta ou janela para o mundo. É verdade e estão certos. Porém, é importante lembrar que as bases e os portos de última geração, afastados das áreas urbanas, são também e quase que apenas, territórios de passagem de corredores de exportação. 

Os grandes complexos portuários da geração mais recente dessa tipologia de portos, instalados afastados nos núcleos urbanos, são na essência bases e enclaves entre fluxos de mercadorias. Esse é o caso do complexo portuário do Porto do Açu controlado pela Prumo Logística (ex-LLX) que é de propriedade do fundo americano EIG e possui 10 diferentes terminais licenciados junto à Antaq que se utilizam dos berços offshore (T1) e onshore (T2).  

Vista de parte das instalações do Porto do Açu, a partir da
estrada de acesso à portaria principal em 12/08/2023.
 
Buscando me atualizar sobre as instalações, os movimentos dos negócios e a relação com o território, para além do acompanhamento de indicadores, informações corporativas e da gestão pública, eu fiz uma nova visita de campo no último sábado, 12/08/2023, em quase todo o entorno do Porto do Açu. A apartação entre as instalações, quase fortificadas, na área do porto, a região e a comunidade continua muito grande.

A riqueza extraída passa por esses dez terminais portuários com pouca ou nenhuma conexão (rugosidade) com a região. Passa minério de ferro pelo mineroduto, petróleo em transbordo entre navios, cobre vindo de grandes caminhões de Goiás, bauxita de Minas Gerais para serem exportados. Fertilizantes são importados e direcionados ao agronegócio, assim como subprodutos siderúrgicos atendem fornos no vizinho território mineiro. 

Nestes lucrativos movimentos, o operador portuário e os donos das cargas querem fluidez que é o que garante produtividade e alta rentabilidade que já vem sendo obtida. Porém, sem indústria e sem beneficiamento, o que se tem é basicamente, e só, enclave, sem integração com economia local, sem adensamento e encadeamento. Geração de energia com uso do gás importado (GNL) através da termelétrica da GNA, se produz a eletricidade que se torna novo um insumo.

As usinas termelétricas representam uma atividade que gera emprego, mas de forma mais efetiva, apenas na construção. Já na operação, a empregabilidade é pequena com a UTE só funcionando quando há redução do nível de água nos reservatórios das hidrelétricas do sistema nacional. O número de empregos na operação das UTEs fica entre 80 e 100 funcionários apenas.

O restante das atividades são exportações extraídas no litoral com apoio à exploração offshore ou no interior no Quadrilátero Ferrífero mineiro, e que, chega ao Açu através do mineroduto, circulando pelos territórios de passagem ou cobre vindo de Goiás.

Sim, a condição de território de circulação gera um imposto local de serviço de movimentação de cargas (ISS) que até hoje é pouco fiscalizado e pago de forma autodeclaratória pelo operador portuário.

A arrecadação de ISS em SJB, nos três últimos anos, incluídos todos os tipos de serviços - e não apenas aqueles desenvolvidos no Porto do Açu e ligado às exportações -, chegou 308 milhões, com uma média na faixa de R$ 100 milhões anuais. Desde que o porto começou a operar, no segundo semestre de 2014, o valor total arrecadado de ISS em SJB, é de cerca R$ 650 milhões, quase que a única receita paga ao "território de passagem". 


Exportações e importações em 2022 no Porto do Açu somam R$ 12 bilhões
Até julho de 2023 chega a R$ 10,8 bilhões - destaques para China, EUA e Índia

Para se ter uma ideia do volume de riquezas que tem passado pelos dez terminais portuários do Açu e que se destinam às exportações, vamos olhar os números de exportações e importações do ano passado, 2022, e nos primeiros sete meses (até 31/07) do ano de 2023.

Em 2022 o Porto do Açu movimentou US$ 2,480 bilhões (R$ 12,1 bilhões), sendo US$ 1,965 bilhão (R$ 9,6 bilhões) em exportações e US$ 515 milhões (R$ 2,5 bilhões) em importações de cargas. 

Já nos primeiros meses de 2023, entre janeiro e julho, esse valor total entre exportações e importações já foi quase superado e chega a US$ 2,215 bilhões (R$ 10,8 bilhões), sendo US$ 1,791 bilhão (US$ 8,8 bilhões) em exportações e US$ 424 milhões (R$ 2 bilhões) em importações de cargas.

As exportações são especialmente fruto do extrativismo do petróleo e minério de ferro. Em 2022, o destino das exportações, em valores FOB e em dólares, foram em especial para: 1) Índia US$ 669 milhões; 2) EUA US$ 567 milhões; 3) Espanha US$ 283 milhões; 4) China US$ 281 milhões e 5) Uruguai R$ 65 milhões.

Nos sete meses de 2023, entre janeiro a julho, os destaques nas exportações foram: 1) China 784 milhões; 2) EUA US$ 461 milhões; 3) Índia US$ 168 milhões; 4) Espanha US$ 113 milhões e 5) Holanda US$ 113 milhões. 

Nas importações em 2022 e 2023* que equivalem em valores a cerca de 1/4 das exportações, os destaques são as compras vindas do Reino Unido, Alemanha, EUA; França; China, Suécia e Noruega.

Diante de tanta riqueza que circula por esse território de passagem, o que fica no município de SJB e na região é muito pouco. Pela região circulam os fluxos em diferentes modais: nas rodovias mais de duas centenas diárias de enormes carretas, fluxo de minério pelo mineroduto, E.E. pelas linhas de transmissão, gás pelos gasodutos e adiante em oleodutos e ferrovia que ligará portos do ES aos terminais do ERJ. Tudo exigindo fluidez e pouquíssimo (ou nenhum) enlace com as economias locais. ´

Esses fatos mostram que não é possível compreender os grandes projetos de investimentos (GPI) nos quais se incluem os complexos portuários, o desenvolvimento regional, sem analisar as relações transescalares e as articulações das cadeias globais de valor e financiamento. 

Esse breve comentário da postagem, é parte um texto com uma análise mais aprofundada sobre as questões macro e estruturais e em várias dimensões sobre o assunto. O texto com essa análise se destina a um capítulo de um livro-coletânea resultado de um fórum de que participei na Uenf em setembro de 2022, organizado pelo INCT, Observvatório das Metrópoles, Núcleo NF, que teve como título: "Governo e desenvolvimento urbano: características da economia extrativista e desafios para o Norte Fluminense".

Na apresentação e debates da mesa-redonda, realizada em setembro de 2002 e no texto para o livro, eu comento sobre o longo percurso do NF, entre continuidades e descontinuidades, desde agroindústria canavieira, o extrativismo, enclaves, a logística portuária visto como Grande Projeto de Investimento (GPI), as gestoras de fundos de investimentos e a hegemonia financeira no capitalismo contemporâneo no qual a região se insere de forma subordinada como uma espécie de rota da internacionalização.

Nesse processo e diante das estratégias de um capitalismo sob a hegemonia financeira e com a lógica da gestão de ativos, o Estado (em seus diferentes níveis) tem atuado mais como despachante de luxo do capital. Ao contrário do que se diz, não se trata de um Estado mínimo e sim um Estado potente, só que para fortalecer o mercado, e não um Estado-social que pudesse levar ao desenvolvimento da economia real em suas condições materiais, mas para atender à maioria da população do NF e do ERJ. 

Em síntese, a economia do Norte Fluminense oscila entre o petrorrentismo da economia dos royalties, o enclave da base de apoio operacional do extrativismo do petróleo e do gás - que está se deslocando para a Bacia de Santos - e um território de passagem de um circuito global exportador e importador. O tema merece um debate mais amplo e esforços para "desenclavar" esse circuito econômico.

2 comentários:

Patricia disse...

Minas-Rio, de uma ponta a outra um projeto de múltiplas violações.

Anônimo disse...

Uma análise correta e sintetizada por raros, ou que nenhum pesquisador do assunto. Creio que um tempo maior de operação (mais 6 anos) será necessário para ter a certeza se esse projeto a mar aberto será bem sucedido.