sábado, fevereiro 17, 2024

Por que os R$ 21 bilhões da movimentação de 2023 do Porto do Açu são tão pouco comentados?

Eu fiz uma postagem (aqui) no meu blog, no dia 6 de fevereiro de 2024 repercutido também no meu perfil no FB e no Instagram sobre a movimentação (exportações e importações) do Porto do Açu no ano de 2023 com dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).

Repito o valor FOB (US$) dessa movimentação em 2023: US$ 4,219 bilhões ou aproximadamente R$ 21 bilhões. Este valor, 70% maior do que a movimentação do Porto do Açu em 2023.

Na movimentação de 2023, 86% são referentes às exportações que totalizaram (US$ 3.626) e apenas 14% o valor das importações (US$ 592 milhões).

 Atividades de serviços portuários no Açu, SJB em 2023.
Como já comentamos, as maiores exportações dizem respeito aos recursos minerais (minério de ferro, petróleo, cobre e até lítio). Os países a que se destinaram as maiores exportações são: 1) China (42%) valor de US$ 1,523 bilhão; 2) EUA (25%) - US$ 906 milhões; 3) Índia - US$ 507 milhões; 4) Espanha - US$ 297 milhões; 5) Holanda - US$ 112 milhões; 6) Itália - US% 83 milhões; 7) Uruguai - 54 milhões. As importações, que equivaleram a apenas 14% de toda a movimentação, vieram em sua maior parte da Alemanha, Reino Unido, EUA, França e China.

É interessante que uma informação desse tipo (divulgada aqui, repito, no dia 6 de fevereiro de 2024) não tenha sido repercutida, porque imagino que fosse de interesse ao nível regional e nacional.

Os dados são públicos e podem ser acessados por qualquer pessoa, jornalista ou a mídia corporativa. O fato me chama a atenção. Evidente que muitas hipóteses podem ser levantadas para essa questão. Porém, destaco uma delas. As informações corporativas e financeiras são em sua grande maioria fruto de releases produzidos pelas próprias corporações e sob a ótica dos seus interesses. E como a própria companhia, grupo ou o seu fundo controlador não divulgou, ela não saiu divulgada mais amplamente.

Então caberia outra pergunta enquanto hipótese: por que os proprietários e controladores do Porto do Açu não teriam interesse nessa divulgação específica sobre valores da movimentação portuária (já que o mesmo aconteceu em 2023 sobre a movimentação do ano de 2022), diante de tantos releases e posteriores matérias sobre tipos de movimentação portuária, exportação, contratos, empregos, obras e possibilidades de novos negócios naquele empreendimento?

Vou citar apenas uma hipótese: não interessa divulgar o volume de riqueza que passa pelo Porto do Açu e pela região deixando tão pouco em impostos e mesmo empregos, proporcionalmente, aos negócios que acabam, usando, especialmente, a região como "território de passagem" num empreendimento até aqui como um enclave com pouquíssima conexão com a região, reforçando a caracterização de um porto como base logística transescalar, mais ligada ao extrativismo.

Seus proprietários desejam fluidez das cargas para ampliar seus lucros na produtividade do porto, pouco se interessando por enlaces com as comunidades locais, vistas, na realidade, mais como problemas do que como solução e oportunidade.

Evidente que há outros argumentos, hipóteses e explicações. Porém, se trata de um fato. O volume em valores FOB da movimentação portuária do Porto do Açu é um assunto a ser deixado de lado.

Uma riqueza que pela região apenas circula, como característica principal de um porto de 5ª geração com conexões na escala global e até aqui muito pouco de agregação de valor em indústria (porto-indústria, Zona Industrial Portuária - ZIP ou MIDAs, Maritime Industrial Development Area) na enorme retroárea de mais de 90 Km², fruto, em boa parte, de centenas de desapropriações de pequenos produtores rurais. As exceções são a unidade de geração de energia elétrica da GNA (UTE) e a FMC-Technip com a produção de tubos flexíveis para uso nas instalações offshore das petroleiras para extração de petróleo.

O assunto demandaria mais uma série de outros comentários que esse autor e seu blog vêm fazendo e comentando desde o início das intenções do projeto de instalação do empreendimento ainda no ano de 2005 e 2006, porém para não misturar muitos os assuntos ficaremos por aqui.

PS.: Os dados dos valores da movimentação portuária aqui comentado são um pouco maiores (exportações) do que os da postagem do dia 6 de fevereiro de 2024, por conta de atualizações e ajustes feitos pelo MDIC em seu site.

terça-feira, fevereiro 06, 2024

Movimentação de cargas no Porto do Açu e receitas de ISS em SJB e Campos, RJ, em 2023 reafirmam a condição principal de “território de passagem”

O crescimento dos serviços é uma característica da sociedade contemporânea e de todo o país. Desde 2000-2004 (época que elaborei do Raio X do orçamento de Campos dos Goytacazes) acompanho essas principais receitas dos municípios. Naquela época começavam a disparar as receitas dos serviços nas capitais e cidades das regiões metropolitanas, logo após terem superado as receitas do imposto sobre a propriedade, o IPTU.

Nesses últimos vinte e três anos as receitas dos serviços seguiram se ampliando. Logo adiante, o mesmo fenômeno passou para as cidades de médio porte e agora até mesmo em alguns municípios de menor porte.

Nessa transição foi sendo superada a antiga classificação da economia entre de atividades do setor primários, secundário e terciário. Os serviços se ampliaram como atividades que foram se desagregando da produção industrial e mesmo agrícola e avançando para além de saúde e educação. 

Também por isso essas atividades e suas receitas passaram a crescer mais na esfera da União, Estados e municípios. Estes, por direito constitucional, passaram a monitorá-los e regulamentá-los mais de perto, visando maior arrecadação diante do aumento das despesas derivadas dos direitos dos cidadãos.

Numa sociedade mais complexa e sofisticada os serviços se multiplicam. Um exemplo: no passado, não existia a ideia de logística e nem a informática como instrumento da chamada transformação digital. A intermediação de serviços de RH, contabilidade, marketing, TI, etc. para além de saúde e educação eram departamentos das companhias. Os serviços são atividades ligadas à densidade populacional e/ou negócios e mesmo das cadeias de produção.

É nesse contexto que se deve observar as variações deste tipo de receita nos últimos anos nesses dois municípios do Norte Fluminense. Campos dos Goytacazes–RJ, como município de médio porte que é polo regional há muitas décadas e São João da Barra, após separado do município de São Francisco do Itabapoana em 1995, do início da construção do Porto do Açu em 2008 e do início de suas operações e movimentação portuária que se dá a partir do 2º semestre de 2014.

   Atividades de serviços portuários no Açu, SJB, só impactam ISS
Em 2014, com o início das operações de exportações no Porto do Açu, a receita de ISS em SJB somou R$ 63 milhões. Em 2017 caiu para R$ 42 milhões. O fato se deveu a um acidente ocorrido no mineroduto entre o município que liga a mina de minério de ferro da Anglo American no Quadrilátero Ferrífero em Minas Gerais e o Porto do Açu (PdA) em São João da Barra, litoral norte do ERJ.

Em 2016 o ISS de Campos foi de R$ 89 milhões enquanto o ISS de SJB foi de R$ 43 milhões. Em 2020 (1º ano da pandemia) a receita de ISS em Campos foi de 81,5 milhões e o de SJB já tinha subido para R$ 86 milhões, ano é que começa a haver um distanciamento da receita de ISS entre esses dois municípios.

Em 2023 as receitas do imposto ISS nesses dois municípios foram:

São João da Barra - R$ 174 milhões;
Campos dos Goytacazes - 152 milhões.

Ou seja, em 2023, SJB arrecadou 14% a mais com o imposto de ISS do que Campos, RJ.

Nas Leis Orgânicas Anuais (LOAs) desses dois municípios, a previsão de receita para 2024 é de R$ 123,4 milhões para Campos, RJ e de R$ 184,0 milhões para SJB, RJ. A maior arrecadação de Imposto Sobre Serviços (ISS) em SJB está diretamente vinculada aos serviços e atividades portuárias nos dez terminais do complexo do Porto do Açu licenciados junto à Antaq.

Em SJB, a receita de ISS já é quase dez vezes maior do que a receita sobre propriedade, o IPTU. Já em Campos dos Goytacazes, essa relação entre ISS (maior) e IPTU é de cerca de 15% a mais. Em Campos dos Goytacazes, foi em 2020 que a receita de ISS ultrapassou a receita do imposto IPTU.

No caso município de SJB, a receita do ISS, basicamente oriunda das atividades e obras no complexo portuário. Dessa forma, não é um exagero a afirmação que venho efetuando de se tratar, basicamente, de um “território de passagem” para a riqueza mineral que é por ali exportada, em especial minério de ferro e petróleo, após transbordo em navios no terminal 1 do Porto do Açu.

Vale lembrar que o ISS é um imposto municipal e que tem uma alíquota que varia até 5% conforme os serviços prestados. No caso de SJB na fase de instalação e implantação do porto, essa alíquota para os serviços portuários foi reduzida pela Câmara de 5% para 2,5%.  



Movimentação portuária nos dez terminais portuários licenciados pela Antaq no Açu em 2023

Enquanto isso, a movimentação portuária (exportações + importações) nos dez terminais portuários do Complexo do Porto do Açu, através de mais de 6 mil embarcações circulando em 2023 teve como destino e/ou origem mais de 30 diferentes países. 

A movimentação de cargas no ano de 2023, segundo dados da Comex-Mdic, em valores FOB US$, chegou a (US$ 4,210 bilhões (US$ 3,617 de exportações e US$ 592 milhões de importações). Uma movimentação com valor, 89% maior do que em 2022, quando essa cifra foi de US$ 2,25 bilhões. A maioria das exportações são dos produtos minerais como petróleo, minério de ferro e também cobre (vindo de Goiás e mesmo o lítio vindo do Vale do Jequitinhonha).

Em valores na moeda brasileira, essa movimentação de cargas de 2023 em SJB, significa cerca de R$ 21 bilhões. Se estimarmos, um percentual de 10% de receita para o conjunto dos serviços portuários, é possível chegar a um valor de cerca de R$ 2,1 bilhões para a holding Prumo Logística Global, dona do Porto do Açu controlada pelo fundo americano EIG Global Energy Partners

Diante desses números, pode-se dizer que o aumento da receita de ISS para o município de SJB em 2024 de R$ 184 milhões é ainda muito pequena para o município que não a fiscaliza, aceitando as autodeclarações das companhias que atuam nas movimentações de carga no Porto do Açu.

Assim, é também possível reafirmar que as atividades de logística servem mais aos objetivos do extrativismo e o uso do “território como de passagem”, do que, propriamente, à noção de desenvolvimento regional. Até aqui as únicas exceções são a geração de energia elétrica na usina termelétrica, GNA e à produção de tubos flexíveis pela FMC Technip.

Adiante, detalharemos um pouco mais sobre os dados do MDIC a respeito do volume de exportações e importações realizadas pelo Porto do Açu (PdA) em SJB no ano de 2023, seja em valores FOB US$, em toneladas e tipos de cargas.

Essa movimentação de cargas no PdA em SJB se relaciona a mais de três dezenas de países, sendo que a maior parte das exportações continua a ser para a China 42% e depois EUA e Índia. E as importações, em bem menor valor e peso, vêm especialmente da Alemanha, Reino Unido e EUA e depois são reencaminhadas aos clientes dessas cargas.


PS.: Atualizado às 09:50 de 07/02/2024: para corrigir o valor da movimentação em US$ do Porto do Açu em 2023, quando citamos apenas as exportações sem considerar as importações. Junto, esse volume chegou a US$ 4,2 bilhões, ou R$ 21 bilhões, 89% superior à movimentação de 2022. Foram acrescentadas outras informações no texto como a maioria das exportações para petróleo e minério de ferro e referente à alíquota de ISS dos serviços portuários cobrada pelo município de SJB de 2,5%.

sexta-feira, fevereiro 02, 2024

IBGE: Brasil tem mais igrejas que escolas somadas. Campos, RJ índice chega a mais 52%

Esse indicador do IBGE é muito interessante e permite um conjunto expressivo de análises em múltiplas dimensões. É um indicador com relação direta com o dado sobre população. Onde se tem mais moradores há necessidade de mais escolas e unidades de saúde.

Os estabelecimentos religiosos tendem a seguir essa tendência, porém a maior densidade em alguns municípios e regiões levam a várias questões. O cruzamento dos municípios com mais diferenças podem levar a outras hipóteses a serem analisadas.

Vale ainda observar que dos dez municípios com mais estabelecimentos religiosos por habitantes do Brasil, oito são do ERJ, a maioria da Baixada Fluminense.

Mesmo que os estabelecimentos religiosos estejam agrupados pelas diferentes frações, é sabido que o avanço das dezenas de religiões evangélicas deve ter fator de peso, nesse indicador, divulgado hoje pelo IBGE, por conta das pequenas igrejas e cultos instalados nos bairros da periferia e junto à população mais pobre e carente de todo tipo de apoio do material, ao apoio pessoal, psicológico e espiritual.

Nessa linha, voltou a sugerir a leitura de dois livros que me impactaram e me deram uma interpretação que não tinha sobre o assunto: "A fé e o fuzil: crime e religião no Brasil do século XXI" do jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso e o livro "Traficantes do evangelho: quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus" da pastora e pesquisadora Viviane Costa. Breves resenhas destes dois livros podem ser vistas na postagem abaixo desse blog em 27 de dezembro de 2023:
A fé, o fuzil, os traficantes evangélicos, o crime e os bandidos de Deus no Brasil contemporâneo
 
As duas publicações oferecem dados empíricos e análises sobre a relação entre algumas igrejas e líderes religiosos com o crime e com a política, mas de forma nenhuma, pretenderam atribuir ao conjunto dos seus seguidores e líderes essa acusação, o que seria uma aberração, além de um desvairado e inconcebível preconceito, que só atrapalha na compreensão desse fenômeno social em nosso país.

Tenho insistido que mais que dados e indicadores, temos necessidade (não apenas os pesquisadores, mas gestores e a população em geral) de ligar as pontas entre eles, para se tentar construir interpretações mais potentes sobre a conjuntura que possam se desdobrar em melhores planejamentos e planos de ação. Esse indicador permite e sugere uma enormidade de estudos que podem ser realizados.


Campos dos Goytacazes, RJ tem 52% mais de igrejas do que escolas e unidades de saúde somadas

Complementando a nota anterior sobre o indicador que a´pontou que hoje no Brasil há mais estabelecimentos religiosos que escolas e unidades de saúde somadas. Vale conferir.
Aqui exponho os dados de dois municípios do Norte Fluminense (ERJ) Campos dos Goytacazes e São João da Barra, usando uma ferramenta automática criada pelo G1 com esses dados do IBGE que lista o nº de habitantes, residências, escolas, unidades de saúde e estabelecimentos religiosos.



Em Campos dos Goytacazes, RJ são 1.727 estabelecimentos religiosos x 643 escolas x 488 unidades de saúde =1.132. Ou seja, 52% mais estabelecimentos religiosos, e olhe que o índice de escolas em Campos, RJ é alto quando comparado à população. É o sétimo melhor índice do país, o que reforça o que já falávamos há mais de uma década. O enfrentamento das questões do ensino em Campos são as qualidades das instalações das escolas e a qualidade do ensino e em especial, o estímulo a maior capacitação docente e melhor política salarial. Porém, aqui o enfoque é na questão do número proporcionais de igrejas em relação a estes dois principais equipamentos públicos, como já comentei na nota anterior.


No município de São João da Barra, esses números são um pouco diferentes, mesmo que ainda com mais estabelecimentos religiosos (139 igrejas e cultos) x 128 (66 unidades de saúde: hospitais e UBS) = 62 escolas. Ou seja, cerca de 8% a mais.
Esses dados e indicadores merecem uma análise mais apurada para leituras mais potentes.