terça-feira, julho 16, 2024

Bet na palma da mão e no fundo do bolso, é plataformização na veia!

Pesquisa comentada em reportagem da Folha de São Paulo e outras mídias expõem algo que já vinha sendo percebido em supermercados e até pelos bancos sobre as apostas online não apenas as esportivas.

[Apostadores deixam de comer pizza e ir ao cinema e até adiam compra de cama para gastar com bets - Consumidor diminui gasto com produtos mais básicos para incluir aposta esportiva online no orçamento, diz pesquisa

Os brasileiros estão presos nos aplicativos de apostas online usados celulares e deixando de comer, se divertir, entre outras muitas atividades. A própria associação das empresas de jogos e loteria (ANJL) admite que o setor já movimenta R$ 110 bilhões. Não é difícil imaginar que o valor seja muito maior e extrapole os sites e aplicativos nacionais. Só nos cinco maiores clubes de futebol as bets investiram mais de R$ 100 milhões, fora os campeonatos, eventos (Rock in Rio e Lollapalloza) e propaganda na mídia tradicional.

O setor de jogos se alimenta e retroalimenta o setor esportivo, em especial o futebol. Por isso, campeonato e a maioria dos clubes da série A e B são patrocinados pelas bets. Personalidades e ídolos do esporte são os maiores divulgadores desses aplicativos (Apps) de apostas.

A publicidade nas TVs, rádios e impressos também cresce, para além do que essas empresas-aplicativos já gastam com as plataformas-raiz, as Big Techs que são veículos, na medida em que esses aplicativos são disponibilizados nas lojas Play Store (Google) e Apple Store, além de alimentarem dos dados capturados e comercializados por essas gigantes empresas-plataformas.

Porém, o espanto sobre até onde estão chegando as Bets (apostas) a ponto de reduzir gastos das famílias com o consumo de produtos básicos, de outro lado, não revisita o fato que sem a “plataformização da sociedade”, essa expansão da oferta de apostas seria impossível. Todos sabem que as loterias e mesmo o jogo do bicho no Brasil, sempre tiveram um nicho, porém nem de longe no patamar que os aplicativos bets estão colocando.

O que se consegue enxergar na parte externa desse iceberg é muito menor do que aquilo que está enclausurado na questão. As Bets se multiplicam mundo afora e só inocentes creem que adolescentes estão proibidos. Conversem com professores do ensino médio e descobrirão um pouco do que está em curso.

Os governos presos à ordem do capital e aos ideários neoliberais da austeridade, enxergam nesse movimento bilionário das bets, chances de ampliar suas receitas, para assim liberar a tributação sobre os serviços financeiros, dividendos e lucros dos grandes financistas.

O vício na palma da mão também se reflete na percepção sobre as políticas públicas (incluindo renda mínima) que passam a ser menos percebidas e usufruídas pelos que estão caindo na tentação da aposta online 24x7 (tempo todo, 24 horas nos 7 dias da semana).

Não se trata apenas da facilitação do meio para acesso às casas de apostas, agora na palma da mão dos celulares, via as plataformas digitais no lugar das antigas e poucas loterias de rua.

Vale registrar que os aplicativos de apostas esportivas trabalham com a hiperpersonalização dos usuários obtida com a coleta, armazenamento e processamento de dados. Assim, reúnem as informações dos usuários como renda, consumo, etc., mas também o perfil psicológico em que os algoritmos identificam facilmente os potencialmente viciados, ou mais suscetível, às sugestões online.

Esses são bombardeados o tempo todo com ofertas e sugestões de todo o tipo de apostas esportivas que vão consumir tempo e dinheiro de pessoas das diferentes classes sociais, mas em especial, daquelas mais vulneráveis às expectativas para saírem das dificuldades financeiras ou a promessa do paraíso da riqueza vendida tal qual o antigo grande prêmio da loteria. Agora, esses prêmios em muitos casos, já nem são tão extraordinários assim.

Porém, a pesquisa citada na matéria da FSP identifica um perfil de usuários das bets surpreendentes: 42% de mulheres x 58% homens [um universo que se imaginava quase que apenas masculino]; 77% classes B e C; 54% classe C, 33% classe B; 8% D/E e 5% classe A. O que pode refletir o perfil médio de origem de acesso online das classes sociais no Brasil. 64% dos pesquisados informam que usam suas rendas principais nas apostas.

Para se aprofundar no assunto, sugiro ainda que olhem os outros dados da pesquisa como idade dos apostadores, o que deixou de comprar para fazer apostas, a frequência das apostas, as plataformas mais utilizadas, etc.

O que está em curso espanta [ou deveria espantar]. Na correria e aceleração em que se vive nos tempos presentes, essas transformações vão sendo banalizadas e incorporadas, sem que a sociedade e seus representantes no Estado se deem conta do que está em andamento. Não é difícil imaginar que incongruências que muitos de nós percebemos em muitas das pesquisas de opinião pública sobre governos e instituições, estejam sendo transformadas para além daquela relação automática.

Se a “compra de blusinhas” nas varejistas online Shein, Shoppe e Temu causaram tanto debate, por que as bets e seus efeitos seriam menores e só percebidos como extraordinária fonte de receitas tributárias? A cada semana novas empresas bets de apostas passam a operar no Brasil e a sensação é que a plataforma montada pelo governo federal (Sistema de gestão de apostas (Sigap) controlado pelo Ministério da Fazenda parece apenas um sistema de autorização, outorga de funcionamento e recolhimento de tributos 

quinta-feira, julho 11, 2024

Datacenters no Brasil e no mundo e seu papel estratégico na geoeconomia e geopolítica

Há no mundo um número que pode se estimar entre 7 mil e 10 mil datacenters, cerca de 1/3 deles nos EUA. O número exato é cada vez mais difícil de ser identificado pelas questões de segurança e soberania cibernéticas.

Saber o número total desta importante infraestrutura digital é menos importante do que conhecer a sua capacidade de armazenamento e processamento de dados, que implica em enorme consumo de energia para alimentar os racks de computadores e memórias e água para refrigerar o sistema com a troca de calor.

Esse colossal consumo de energia elétrica também se reflete na poluição, apesar da aura de atividade limpa que tem o setor de tecnologia. Segundo os próprios dados das Big Techs, a Google assume que aumentou suas emissões de gases de efeito estufa em cerca 50% desde 2019. A Microsoft em 33% desde 2020. Tudo em função dos datacenters e IA. Alguns especialistas dizem que dados seriam "o novo petróleo", mas podemos ver que isso não se daria apenas pelo valor, mas pelos efeitos para o ambiente.

O aumento da quantidade dessas instalações está ligado de forma especial à algoritmização, extração de padrões que depende de modelagens ligadas à chamada inteligência artificial. Cada vez mais as grandes corporações de tecnologia controlam essas infraestruturas, assim como as redes (cabos submarinos) que as interligam aos usuários intermediados também pelas operadoras de telefonia (comunicação).

O simples acesso a um email, uma busca no Google, acesso ou guarda de uma foto do Drive, um clique numa postagem nas mídias sociais, uma música ou filme no streaming, tudo isso, demanda o uso dessas infraestruturas em velocidades de nanosegundos consumindo energia. Se estima que uma consulta no tal ChatGPT ou similar, pode consumir até 25 vezes mais recursos que uma busca convencional no Google.

Sem controle dessas infraestruturas digitais, pessoas, instituições perdem sua autonomia e as nações, sua soberania.



O mapa acima foi produzido pela empresa de consultoria do setor, a Datacenter Map que informa que o Brasil possuía, em 2023, um total de 135 instalações tipo datacenter, número que é 628% maior do que existia dez anos antes, em 2013 no país. Boa parte deles sob controle de poucos agentes vinculados às Big Techs e a grupos financeiros

O governo federal começou a desenhar um Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), sob a coordenação de Ministério da Ciência e Tecnologia e se tem a expectativa que o resultado dele, aponte projetos de políticas públicas que viabilize infraestruturas digitais (redes, datacenters e desenvolvimento de expertises), institucionalidades e financiamento que ofereçam ao país, um mínimo de independência nesse setor estratégico no capitalismo contemporâneo, geoeconomia e geopolítica. A ver!

PS.: Atualizado às 12:02 de 12 jul. 2024
Não falei no breve texto, mas é ainda oportuno lembrar que um datacenter ou um serviço de nuvem (cloud) vai muito além de armazenar dados para diversos processos digitais. Uma coleção de serviços digitais já são oferecidos para pessoas, empresas, instituições e governos que contratam esses serviços como: capacidades computacionais, acesso a redes e banco de dados. Usualmente, os especialistas em TI chamam de plataformas como serviços (PaaS), infraestrutura como serviço (IaaS), banco de dados como serviços (DBaaS) e pacotes de serviços já com Inteligência Artificial (IA) desenvolvidas. Sem datacenter ou nuvem (cloud) não se pode falar em Inteligência Artificial que demanda capacidades computacionais.

PS.: Atualizado às 12: 14 de 12 jul. 2024:
Vale ainda comentar um caso do Brasil. Um exemplo de cloud com agente nacional no Brasil é a subsidiária do Magazine Luíza, a empresa MagaluCloud que possui dois datacenters no Brasil, um em São Paulo e outro em Fortaleza. A empresa atende a demanda de serviços digitais do grupo, dos seus "parceiros" que atuam no shopping virtual (marketplace) da empresa de varejo online (e-commerce) da Magalu, mas também outros clientes. Essa subsidiária da holding Magalu é uma das 25 empresas vinculadas aos seus negócios. A MagaluCloud tem relações com o laboratório digital de desenvolvimento chamado LuizaLab que, segundo informações da mídia empresarial, empregaria cerca de 2 mil trabalhadores em desenvolvimento. Boa parte dessas 25 subsidiárias do grupo são resultados de investimentos em startups, aquisições e fusões (F&A) com aportes de recursos próprios e do mercado financeiro e se enquadram nos processos que venho aqui comentando sobre plataformização, startupização e financeirização.

PS.: Atualizado às 12:30, 12 jul. 2024 para breve acréscimo no texto original.

PS.: Atualizado às 12:46, 12 de jul. 2024:
O grupo Magalu informa ter cerca de 38 mil trabalhadores atuando em suas várias subsidiárias e negócios no país, 40 milhões de clientes ativos na sua plataforma de varejo online e teve em 2023, receita total no e-commerce de R$ 46 bilhões, sendo R$ 18 bilhões em seu marketplace (loja virtual com venda de produtos de terceiros) criado há apenas 7 anos. A receita total do grupo em 2023 atingiu o valor de R$ 63 bilhões, o que implica interpretar que 73% de sua receita é oriunda do seu e-commerce. No mês de junho, o grupo Magazine luíza informou um grande acordo na área de marketplace com a gigante plataforma chinesa AliExpress ligada à Alibaba.

PS.: Atualizado às 15:03, 13 jul. 2024: para acréscimo de um parágrafo no texto original.