Pesquisa comentada em reportagem da Folha de São Paulo e outras mídias expõem algo que já vinha sendo percebido em supermercados e até pelos bancos sobre as apostas online não apenas as esportivas.
[Apostadores deixam de comer pizza e ir ao cinema e até adiam compra de cama para gastar com bets - Consumidor diminui gasto com produtos mais básicos para incluir aposta esportiva online no orçamento, diz pesquisa]Os brasileiros estão presos nos aplicativos de apostas online usados celulares e deixando de comer, se divertir, entre outras muitas atividades. A própria associação das empresas de jogos e loteria (ANJL) admite que o setor já movimenta R$ 110 bilhões. Não é difícil imaginar que o valor seja muito maior e extrapole os sites e aplicativos nacionais. Só nos cinco maiores clubes de futebol as bets investiram mais de R$ 100 milhões, fora os campeonatos, eventos (Rock in Rio e Lollapalloza) e propaganda na mídia tradicional.
O setor de jogos se alimenta e retroalimenta o setor
esportivo, em especial o futebol. Por isso, campeonato e a maioria dos clubes
da série A e B são patrocinados pelas bets. Personalidades e ídolos do esporte
são os maiores divulgadores desses aplicativos (Apps) de apostas.
A publicidade nas TVs, rádios e impressos também cresce, para
além do que essas empresas-aplicativos já gastam com as plataformas-raiz, as
Big Techs que são veículos, na medida em que esses aplicativos são disponibilizados
nas lojas Play Store (Google) e Apple Store, além de alimentarem dos dados capturados e comercializados por essas gigantes empresas-plataformas.
Porém, o espanto sobre até onde estão chegando as Bets (apostas) a ponto de reduzir gastos das famílias com o consumo de produtos básicos, de outro lado, não revisita o fato que sem a “plataformização da sociedade”, essa expansão da oferta de apostas seria impossível. Todos sabem que as loterias e mesmo o jogo do bicho no Brasil, sempre tiveram um nicho, porém nem de longe no patamar que os aplicativos bets estão colocando.
O que se consegue enxergar na parte externa desse iceberg é muito menor do que aquilo que está enclausurado na questão. As Bets se multiplicam mundo afora e só inocentes creem que adolescentes estão proibidos. Conversem com professores do ensino médio e descobrirão um pouco do que está em curso.
Os governos presos à ordem do capital e aos ideários neoliberais da austeridade, enxergam nesse movimento bilionário das bets, chances de ampliar suas receitas, para assim liberar a tributação sobre os serviços financeiros, dividendos e lucros dos grandes financistas.
O vício na palma da mão também se reflete na percepção sobre as políticas públicas (incluindo renda mínima) que passam a ser menos percebidas e usufruídas pelos que estão caindo na tentação da aposta online 24x7 (tempo todo, 24 horas nos 7 dias da semana).
Não se trata apenas da facilitação do meio para acesso às casas de apostas, agora na palma da mão dos celulares, via as plataformas digitais no lugar das antigas e poucas loterias de rua.
Vale registrar que os aplicativos de apostas esportivas trabalham com a hiperpersonalização dos usuários obtida com a coleta, armazenamento e processamento de dados. Assim, reúnem as informações dos usuários como renda, consumo, etc., mas também o perfil psicológico em que os algoritmos identificam facilmente os potencialmente viciados, ou mais suscetível, às sugestões online.
Esses são bombardeados o tempo todo com ofertas e sugestões de todo o tipo de apostas esportivas que vão consumir tempo e dinheiro de pessoas das diferentes classes sociais, mas em especial, daquelas mais vulneráveis às expectativas para saírem das dificuldades financeiras ou a promessa do paraíso da riqueza vendida tal qual o antigo grande prêmio da loteria. Agora, esses prêmios em muitos casos, já nem são tão extraordinários assim.
Porém, a pesquisa citada na matéria da FSP identifica um perfil de usuários das bets surpreendentes: 42% de mulheres x 58% homens [um universo que se imaginava quase que apenas masculino]; 77% classes B e C; 54% classe C, 33% classe B; 8% D/E e 5% classe A. O que pode refletir o perfil médio de origem de acesso online das classes sociais no Brasil. 64% dos pesquisados informam que usam suas rendas principais nas apostas.
Para se aprofundar no assunto, sugiro ainda que olhem os outros dados da pesquisa como idade dos apostadores, o que deixou de comprar para fazer apostas, a frequência das apostas, as plataformas mais utilizadas, etc.
O que está em curso espanta [ou deveria espantar]. Na correria e aceleração em que se vive nos tempos presentes, essas transformações vão sendo banalizadas e incorporadas, sem que a sociedade e seus representantes no Estado se deem conta do que está em andamento. Não é difícil imaginar que incongruências que muitos de nós percebemos em muitas das pesquisas de opinião pública sobre governos e instituições, estejam sendo transformadas para além daquela relação automática.
Se a “compra de blusinhas” nas varejistas online Shein, Shoppe e Temu causaram tanto debate, por que as bets e seus efeitos seriam menores e só percebidos como extraordinária fonte de receitas tributárias? A cada semana novas empresas bets de apostas passam a operar no Brasil e a sensação é que a plataforma montada pelo governo federal (Sistema de gestão de apostas (Sigap) controlado pelo Ministério da Fazenda parece apenas um sistema de autorização, outorga de funcionamento e recolhimento de tributos