segunda-feira, janeiro 13, 2025

Fundos financeiros batem novo recorde no Brasil em 2024 e atingem R$ 9,3 trilhões de patrimônio: capitalismo sob a hegemonia financeira

Com R$ 9,3 trilhões de patrimônio líquido em 2024, os fundos financeiros já se aproximam de 90% de todo o PIB do Brasil, embora saibamos que se tratam de naturezas distintas. Um é estoque e outro fluxo, mas aqui está sendo usado para comparação apenas para efeito de compreensão sobre o volume de patrimônio líquido sob gestão, que os fundos estão atingindo ano após ano no Brasil e no mundo.

Abaixo disponibilizo duas tabelas, uma com dados do patrimônio líquido total dos fundos financeiros que operam no Brasil no período de 2008 a 2024 em valores absolutos e reais; a outra com os valores dos patrimônios líquidos atualizados (correção pelo IGP-M da FGV) até dezembro de 2024.


Esses são números fechados pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais) no último dia de 2024. [1] O patrimônio líquido total de R$ 9,29 trilhões sob controle das gestoras dos fundos financeiros em 2024, foi 25% maior que o do ano anterior de 2023 (corrigido) que era de R$ 7,46 trilhões.

Em relação ao ano de 2008, o patrimônio líquido de 2024 de todos os fundos é quase três vezes superior em valores corrigidos e expressam uma lógica do capitalismo da gestão de ativos, frutos de uma ampla pesquisa que desenvolvi e que está detalhada no livro editado e publicado em 2019, pela editora Consequência, com o título: “A ´indústria´ dos fundos financeiros: Potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo”. [2]

Figura 1: Livro do autor, PESSANHA, R.M., 2019

Os fundos financeiros não são um mal por si, depende da forma com que se planeja a utilização desses excedentes na economia e seus reflexos na política. Hoje, no Brasil e no mundo, os fundos financeiros de diversos tipos (renda fixa, multimercado - hedge – private equity, Fip, Fdic, fundos imobiliários, cambial, fundo de índices – ETF, etc.) se articulam e se movimentam de forma cruzada com os investimentos dentro de mercado de capitais, ações, câmbio, fundos de pensão, etc.

Os movimentos das gestoras dos fundos financeiros têm refletido uma lógica de controle quase de quase setores inteiros da economia real em países e/ou regiões, através do controle acionário majoritário de várias corporações, cujas estratégias e lógicas, passam a ser da alta rentabilidade em curtos prazos e numa busca desenfreada pelo monopólio (caminho da oligopolização) e por garantias (marcos) legais para garantir uma hipermobilidade do capital empregado pelos investidores (cotistas) dos fundos.

Em junho e julho de 2021, eu fui convidado a participar de três lives (palestras online) sobre o tema “Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual”. Após, diálogos e debates, os organizadores e participantes, me solicitaram que organizasse um texto com as principais questões e indicadores apresentados. Assim, prepararei um texto publicado em meu blog [3] e depois, no portal 247 [4] e na Revista Brasileira de Geografia Econômica: Espaço e Economia [5].

Entre várias outras questões, a apresentação e o texto buscaram sustentar com dados da pesquisa empírica, elementos sobre como o rentismo foi se entranhando na economia real no Brasil, de onde passou a recolher excedentes cada vez mais expressivos. Adiante, o capital acumulado aparece sob a forma de capitalização nesses saldos dos patrimônios dos fundos financeiros (tabela 1 e 2), no aumento das propriedades e controle de milhares de companhias da economia real, nos papeis de diferentes e crescentes inovações financeiras e ainda no aumento do nº de investidores no mercado de capitais e na Bolsa de Valores, B3 dos quais realizam a captação dos excedentes. Se tratam de processos quase simultâneos de capitalização e valorização.

Nesta análise vale citar (com dados atualizados) um destes tipos de fundo financeiro hoje muito conhecido: o Imobiliário (FII). Em 2009, eram 2 mil investidores em FII no Brasil. Em agosto de 2020, os FII tinham ultrapassado a 1 milhão de investidores (quotistas); e, em março de 2024, já tinham chegado a 2,645 milhões de investidores no Brasil, sendo quase 80%, investidores pessoas físicas (CPFs). Em 2024, o mercado de FIIs esteve aquecido com uma média de negociações diárias de R$ 285 milhões, o maior patamar da história no país.

Outro exemplo, vinculado a esse movimento de nova forma de recolhimento de excedentes e dinâmica da capitalização no Brasil é o número de investidores na Bolsa de Valores, a B3. Em abril de 2019, esse número era de 1 milhão de investidores, já grande. Em março de 2020, tinha, rapidamente chegado a 2 milhões de investidores. Já em maio de 2024, superou 19,4 milhões de investidores na Bolsa de Valores, B3. Investidores pessoa física (CPF), enquanto o saldo em investimentos na poupança no país segue caindo, ano a ano, com mais retiradas do que depósitos.

Na ocasião, eu já aformava que se tratava de um processo de ampliação da dominação financeira com estratégias em que os donos dinheiros – andar de cima - passaram a definir e a controlar a atuação da produção - na economia real - em diferentes setores no território. Fui além, ao dizer que estávamos diante de transformações importantes nesta fase de deslocamento do capitalismo [6], fator que aumenta ainda hoje, as dificuldades para se observar o fenômeno, mesmo que a realidade de 2024, tenha nos trazidos, inúmeras evidências sobre como o capital financeiro disputa o poder político no país.

No texto em junho de 2021, eu também sustentei que era necessário entender porque o poder político no Brasil de 2022 seria bastante diferente do país de 2002, no que dizia respeito à economia política e às relações de poder, sob a hegemonia financeira que avançava na busca de maior controle sobre o Estado no Brasil, de uma forma bem distinta daquela que existia no país há duas décadas: “as relações Estado-Mercado-Sociedade estão rapidamente se alterando com o Estado sendo deslocado e perdendo o protagonismo para o Mercado”.

Saímos de um capitalismo da fase hegemônica industrial, de um circuito financeiro bancário que fazia a intermediação entre a produção e o consumo, dentro da tríade marxiana: “produção – circulação – consumo” e constituía o Modo do Produção Capitalista (MPC), para paulatinamente, entrar num circuito financeiro dos fundos e do mercado de capitais, onde o esquema tradicional ainda convive com estas várias e novas formas de inovação financeira. Assim, as finanças, também no Brasil, de forma paulatina, mas crescente, estão se tornando o “centro dinâmico da economia”, característico dessa fase do “capitalismo hegemonicamente financeiro”.

Figura 2: Esquema gráfico da passagem do esquema financeiro creditício para a capitalização dos fundos [7]


Não se pode falar das finanças intermediando a “criação de valor”, como costumam defender os economistas neoclássicos. Não se trata disso e sim de uma lógica que é, fundamentalmente, de extração de valor. Uma espécie de parasitismo junto à economia real. Assim, não cabe mais falar de intermediação financeira bancária e sim, uma lógica de “riscos - retorno - em curto prazos” e com altíssima rentabilidade dos ativos controlados pelos donos dos dinheiros, os rentistas.

Se trata de uma nova forma de repartição da riqueza produzida pelo trabalho. Uma etapa ainda mais radical do regime de acumulação e de extração de valor. Um “capitalismo de cassino” na leitura do Minsky (década de 90), ou “capitalismo da gestão de ativos”, na leitura mais recente da Mariana Mazzucato. [8] Talvez, possa ser falado em “rodadas de neoliberalismo”, como costuma se referir o professor Carlos Brandão da UFRJ.

Observa-se o número colossal de “inovações financeiras” ampliadas pelo potencial da tecnologia e das plataformas digitais. Assim, o mercado de capitais nacional enlaçado aos fundos globais vão se tornando instrumentos de vampirização da renda e da riqueza da economia real.

Esse movimento tem levado a Anbima a se vangloriar do mercado de capitais brasileiro, dizendo que esta evolução se deve ao fato dele ser autorregulamentado. Assim, seu CEO disse em 2018: “a autorregulação da Anbima, é um dos principais motivos para a atração de investimentos nos fundos financeiros no Brasil. Se trata de um modelo privado criado pelo próprio mercado de forma voluntária e independente”.

Ainda, segundo afirmava a Anbima em 2028, “o Brasil tem um mercado de capitais dos mais sofisticados entre as economias capitalistas do mundo. É o 13º maior mercado de capitais; o 3º maior mercado de derivativos e a 11ª maior indústria de fundos do mundo”. De lá para cá, a despeito dos nossos problemas, o país deve ter subido nesses rankings do mercado financeiro, cujo alvo era a substituição do Estado e do BNDES como banco de investimentos, tornando a sua atuação apenas complementar, deixando espaço para outros operadores, entre eles, o BTG.

Tudo isso expõe o processo que assistimos entre 2016 e 2022 de perda da capacidade de intervenção nas políticas econômicas nacionais nos diferentes setores ou frações do capital e de redução da autonomia e da soberania nacional, que, após 2023, se tenta duramente retomar, a despeito de um Congresso, em sua maioria ultraliberal e entreguista.

Assim, ainda se assiste, ao vivo e a cores, diariamente, a pressão do setor financeiro e do mercado de capitais na captura do orçamento e do fundo público, a favor do setor bancário, controlador das gestoras dos fundos. Na prática seguimos vendo como as finanças foram se tornando efetivamente, o centro dinâmico da economia capitalista contemporânea no Brasil, a despeito da perda das eleições de 2022; assim segue disputando dia a dia o poder político, mesmo sem disputar as eleições do país.

Neste sentido é necessário virar essa chave e ir mais fundo no enfrentamento dessa realidade que continua em vigência. Paradoxalmente, travam as despesas com as políticas públicas através de esquemas de controle e austeridade fiscal e especulação em conluio com o Banco Central “independente”. Não se importam com a aliança entre os setores do capital que rejeitam qualquer tributação (querem mais e mais desonerações), enquanto do outro lado concordam e apoiam a execução orçamentária, majoritariamente nas mãos do Congresso/Centrão, de forma fragmentada, ineficiente e corrupta, no velho esquema das emendas, derivado do conhecido orçamento secreto criado por Bolsonaro/Guedes e general Ramos.

O Brasil precisa recuperar a autonomia do Executivo eleito pela população para cumprir o programa para o qual foi eleito, sua capacidade de planejar e financiar um projeto nacional desenvolvimentista de retomada da inclusão social e da soberania nacional. É necessário superar essa fase do “capitalismo de gestão de ativos” com a qual os fundos financeiros têm servido apenas à plutocracia da elite econômica nacional articulada ao grande circuito financeiro global. Os fundos financeiros podem e devem ter um outro papel na economia política do Brasil.

 

Referências:

[1] Anbima. Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. A Anbima se coloca com a principal instituição que representa o mercado de capitais no país. Além da Anbima, minha pesquisa sobre os fundos financeiros levantou a existência de mais de duas dezenas de associações, fóruns e agências que organizam e articulam os interesses desta fração do capital.

[2] PESSANHA, R. M. A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2019.

[3] PESSANHA, R.M. Blog do Roberto Moraes. Postagem em 4 jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2021/06/capitalismo-sob-hegemonia-financeira-e.html

[4] PESSANHA, R.M. Portal 247. Coluna em 4 jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/capitalismo-sob-a-hegemonia-financeira-e-o-poder-no-brasil-atual

[5] PESSANHA, R.M. Revista Brasileira de Geografia Econômica. Espaço e Economia. Ano X, Nº 21 - 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil. Disponível em: https://journals.openedition.org/espacoeconomia/19705

[6] DOWBOR, Ladislaw. O capitalismo se desloca: novas arquiteturas sociais. Edições Sesc São Paulo: São Paulo, 2020.

[7] Sobre as mudanças na forma de intermediação financeira, uso interpretações entrelaçadas com as investigações do professor-pesquisador Daniel Sanfelici, Departamento de Geografia da UFF, em sua apresentação no “Workshop Espaço e Poder: Infraestrutura, Financeirização e Território” no IPPUR-UFRJ, no dia 25 jun. 2019.

[8] MAZZUCATO, M. O valor de tudo: produção e apropriação na economia global. Recife: Portfólio-Penguin, 2020.

PS.: Sugiro outros dois importantes autores e livros que auxiliam na compreensão do movimento mais recentes das gestoras dos fundos financeiros e das transformações do capitalismo contemporâneo sob a hegemonia financeira.

CHESNAIS, F. O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In: CHESNAIS, F. (org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 35-67.

HARVEY, D. A loucura da razão econômica. São Paulo: BoiTempo, 2018.

domingo, janeiro 12, 2025

Porto do Açu como território de passagem exportou em 2024 R$ 34,8 bilhões, só em petróleo e minério de ferro

Petróleo bruto (valor equivalente a US$ 3,558 bilhões ou R$ 21,5 bilhões) e minério de ferro (valor equivalente a US$ 2,154 bilhões ou R$ 13,1 bilhões) foram as duas mercadorias mais movimentadas e exportadas pelo Porto do Açu, São João da Barra, RJ. As exportações de petróleo (62%) e minério de ferro (38%) somadas em valores US$ FOB, chegaram em 2024 no Porto do Açu a US$ 5,712 bilhões ou R$ 34,8 bilhões. 

Terminal T-Oil da Vast Infraestrutura no Açu.
Fonte: Brasil Energia (BE)

A exportação de outras mercadorias pelo Açu são irrisórias diante do volume de saída dessas duas commodities. O volume de importações que passou pelo Porto do Açu, também em 2024, foi US$ 731 milhões, ou R$ 4,45 bilhões. Somando os movimentos de exportação (88,6%) importação (11,4%) do Porto do Açu, eles chegam a US$ 6,443 bilhões ou R$ 39,3 bilhões.

Os dados são oficiais do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). Os valores sobre as exportações de minério de ferro são de Conceição do Mato Dentro, MG, onde se situam as minas e de onde tem origem o mineroduto de 529 quilômetros que corta 33 municípios mineiros e fluminenses até chegar ao Porto do Açu, onde a pasta é filtrada, desidratada e o minério secado até seguir pelas esteiras até o terminal T1, processo de beneficiamento realizado pela empresa Ferroport (joint-venture entre as companhias, Porto do Açu e mineradora anglo-sul-africana Anglo American. 

Já as exportações de petróleo se originam na produção offshore nas bacias de Campos e de Santos e passam por transbordo (transferência de pequenos navios para grandes navios petroleiros para seguir viagem intercontinental), também através do terminal T1 do Porto do Açu. 

A responsabilidade do terminal de transbordo de petróleo do Porto do Açu é da companhia Vast Infraestrutura (ex- Açu Petróleo) que em seus três berços de atracação atende aos negócios de nove diferentes petroleiras: Petrobras, Shell, Equinor, Total, Galp, Petrochina, CNOCC, Petronas e PRIO. Outro dado expressivo é que em 2024, o Brasil exportou quase metade de toda a sua expressiva produção nacional de petróleo, sendo que o Porto do Açu tem sido responsável, por sua vez, de quase metade de todo o petróleo exportado pelo país.

Esse blog já havia comentado em relação à movimentação de cargas e riquezas pelo Porto do Açu em 2022 e 2023 [postagem em 17 de fevereiro de 2024: "Por que os R$ 21 bilhões da movimentação de 2023 do Porto do Açu são tão pouco comentados?"] sobre a estranheza das razões pelas quais a companhia Prumo Logística, holding controladora do Porto do Açu, ou mesmo o fundo americano, EIG Global Energy Partners, controlador da holding Prumo, não terem interesse na divulgação desses valores de cargas e riquezas movimentadas pela sua companhia subsidiária no seu terminal portuário.

Esses dados são públicos e podem ser acessados por qualquer pessoa, jornalista ou a mídia corporativa, sem necessidade de ser pesquisador. Como afirmei na postagem no ano passado, muitas hipóteses podem ser levantadas sobre essa proposital omissão dos valores de movimentação portuária em dólar ou real. Porém, já destaquei uma das razões em se escamotear esse dado.

As informações corporativas e financeiras são em sua grande maioria fruto de releases produzidos pelas próprias corporações e sob a ótica dos seus interesses. E como a própria companhia, grupo ou o seu fundo controlador não divulgou, ela não saiu divulgada mais amplamente. 

Assim, a hipótese para essa omissão seria o desinteresse em divulgar o volume de riqueza que passa pelo Porto do Açu e pela região deixando tão pouco em impostos e mesmo empregos, proporcionalmente, aos negócios que acabam, usando, especialmente, a região como "território de passagem", num empreendimento que até aqui, se caracteriza como um enclave, com pouquíssimas conexões com a região, reforçando a caracterização de um porto como base logística transescalar, mais ligada ao extrativismo.

Os proprietários do porto desejam fluidez das cargas para ampliar seus lucros na produtividade do porto, pouco se interessando por enlaces com as comunidades locais, vistas, na realidade, mais como problemas do que como solução e oportunidade. 

Uma enorme riqueza que pela região (quase R$ 40 bilhões apenas em um ano) apenas circula no que tenho chamado de "território de passagem", uma das características principais de um porto de 5ª geração com conexões na escala global (interligando pontos de uma cadeia de valor global - CVG) e até aqui muito pouco de agregação de valor em indústria (porto-indústria, Zona Industrial Portuária - ZIP ou MIDAs, Maritime Industrial Development Area) na enorme retroárea de mais de 90 Km², fruto, em boa parte, de centenas de desapropriações, em boa parte, violenta, de pequenos produtores rurais. 

As exceções são a unidade de geração de energia elétrica da GNA (UTE) e a FMC-Technip com a produção de tubos flexíveis para uso nas instalações offshore das petroleiras para extração de petróleo e agora, ao projeto já licenciado de hidrogênio verde. 

Porém, também o projeto de hidrogênio verde, se for destinado basicamente à exportação de amônia e não ao uso em industrialização no distrito industrial do porto, manterá essa característica de um porto de movimentação de cargas e riquezas de cadeias de valor global (CVG) e não de agregação de valor, com produção local ampliando aquilo que os economistas chamam de externalidades dessa importante infraestrutura portuária do Açu, no Norte do Estado do Rio de Janeiro.

terça-feira, janeiro 07, 2025

Posição da Meta (Zuckeberg) segue o roteiro de Musk/Trump

Como comentei em artigo aqui abaixo no dia 12 de dezembro de 2024 "Os movimentos já em curso na profundeza das articulações Trump, Big Techs e Wall Street", as Big Techs (as chamadas sete magníficas) estão seguindo um roteiro traçado por Musk e amparado por Trump. Estão indo para cima dos países (Brasil, União Europeia (França e Espanha em especial) e Austrália que estão fazendo o trabalho correto de regulação.

Zuckeberg (vide manchete hoje nos jornais - ao lado) ao chamar diretamente as decisões do STF de "secretas" comete um profundo desrespeito como dono dessa grande corporação digital americana às instituições de uma nação que é uma das maiores usuárias das redes sociais, entre essas, o Facebook, Instagram e Whatsapp, do mundo.

Porém, na verdade, as Big Techs (Grandes Corporações Digitais - GCDs) americanas seguem um roteiro que tem pontos muitos claros que vão sendo paulatinamente divulgados ainda antes da posse do presidente Donald Trump. Esses pontos colocam o universo digital como um dos pilares desse seu segundo mandato e para o qual tem o apoio explícito dos CEOs e dirigentes dessas companhias (GCDs).

O objetivo é unificar as ações das Big Techs ocidentais no enfrentamento da guerra comercial, financeira, política e geopolítica com a China, tendo esse setor digital como estratégico em termos de relações de poder, num esforço de retomar uma espécie de nova guerra fria, embora, esse seja um termo desgastado para explicar o tripé do capitalismo contemporâneo em que se baseia as ideias ultraliberais e plutocratas de Trump/Musk.

Uma disputa que trabalha a partir do alinhamento de todas as grandes corporações digitais do Vale do Silício, em que o partido Republicano e Trump entendem ser contra o Brics para colocar os EUA na liderança - sem competição - de microprocessadores, datacenters (nuvens) e inteligência artificial com atuação ampla e transversal em várias atividades como drones militares, criptomoedas, capitais de riscos e fundos financeiros, além de outros negócios. Tudo isso já envolve batalhas ligadas às sanções, tarifas e incentivos à unificação em torno dos EUA, como de praxe.

O Zuckeberg com essa decisão de suspender as checagens e liberar todas de postagem, apenas pula para a primeira fila desse enfrentamento, se juntando ao Musk nessa empreitada. Processo que já vinha se desenhando na Meta e outras Big Techs dos EUA, que antes anunciaram apoio econômico à posse de Trump e também trocaram diversos diretores das companhias, alocando pessoal historicamente ligado à direita e ao Partido Republicano.

As ideias fundamentais passam pela total desregulação do setor digital, com pressões para derrubar as ações antitruste nas Cortes americanas e de outros países importantes na Europa, AL e Ásia com os quais mantém uma relação de ascendência.

A desregulação digital leva também à exigência de desregulação ambiental para ampliação da disponibilidade de energia e água para datacenters e outras atividades produtivas, como partes de um plano de tentativa de enfrentamento à oferta de produtos da China. A economia digital e de dados é uma dessas estratégias que se articulam desde a infraestrutura para o setor, desenvolvimento da Inteligência Artificial livre e sem amarras, vinculadas ao esforço para retomar espaços no comércio exterior.

As estratégias de Musk são truculentas como se sabe e já se conhece. O que Zuckeberg fez hoje, reproduz exatamente esse estilo que deve seguir se ampliando. Nesse processo se ampliarão as ameças mundo afora, não apenas contra empresas, políticos, mas contra as nações, suas instituições e as pessoas que as dirigem e se coloquem contra essa diretriz Musk/Trump, que, aparentemente, se vincula ao projeto da extrema-direita global resumido no repetido argumento da "defesa de liberdade de expressão".

Essas decisões surgem num momento que encontra a Europa envolta em várias crises e seus problemas, desde que a OTAN puxou os estados mais fortes do continente para o embate Rússia e Ucrânia e deixou de utilizar o gás e a energia barata da Rússia para importar o gás americano (liquefeito e trazido por navios gaseiros) que chegam bem mais caro e se torna uma das origens da crise econômica alemã e dos demais países.

Outros países europeus enfrentam crises internas, assim como o Canadá. Isso tudo, cria oportunidades para a aceleração dessa estratégia que busca produzir alinhamento também nesse campo, dos europeus aos EUA, como aconteceu na questão militar via Otan e assim, um relaxamento da ideia de soberania digital.

O jogo já começou a ser jogado por mais Big Techs, para além da Meta, Tesla/Twitter. As americanas Amazon, Microsoft, Apple, Google (Alphabet), Open IA, NVidia, etc. têm, cada uma, os seus interesses e já entendem o que chamam de oportunidades. Assim, tendem também a pressionar sua cadeia de relações comerciais em seus territórios, ligados à construção de valor com parceiros locais/nacionais, assim como pressão direta e indireta contra os próprios países e autoridades de suas principais autoridades.

Os EUA avançam para uma estratégia, tipo Estado-corporação, que ao cabo visa ampliar a hegemonia financeira, enfrentar as opções que tentam reduzir o domínio do dólar para assim retomar os desgastados tentáculos do império americano, agora, cada vez mais ancorado nas grandes corporações digitais. A ver!

quarta-feira, janeiro 01, 2025

Alucinação da IA ou do capitalismo?

Alucinações são experiências em que uma pessoa percebe algo que não existe na realidade.

Utilizarei nessa reflexão um pequeno trecho da matéria de O Globo (01/01/25) cujo título é: "Inteligência Artificial: Tecnologia terá como desafios dar lucros e manter ritmo da expansão" de Juliana Causin.
 
Com esse título a lógica expressa é do investidor e não das pessoas e da sociedade que convivem com essa tecnologia. Falarei disso ao final.

No entanto, o destaque que faço e que me chamou a atenção na reportagem é quando, especialistas na tecnologia de IA, falam que "as empresas precisam ter cuidado com o tema da alucinação, ou seja, a IA pode estar sendo convincente, articulada, mas pode estar inventando, criando algo absurdo, o que pode causar danos de imagens a empresas".
 
 Foto: Angel Garcia/Bloomberg/26-2-2024.
Ora, ora... antes de atingir as empresas (agentes), as pessoas e a sociedade estão sendo atingidas. Penso que a preocupação deveria se dirigir à sociedade. Alguém já tinha lido ou ouvido entre as várias maravilhas listadas por especialistas, que a IA poderia produzir, estavam alucinações e invenções absurdas fora da realidade?

Usarei um paradoxo (nem tanto, sic), ao ver o que o Chat GPT, uma ferramenta de inteligência artificial (IA) da empresa de tecnologia Open IA que funciona como um chatbot, permitindo a interação entre o usuário e a IA por meio de conversas, diz sobre o tema: "alucinações são erros que ocorrem quando um sistema de inteligência artificial gera informações incorretas ou inventadas, mas apresenta essas informações de maneira convincente. Esse fenômeno é uma limitação dos modelos atuais de IA, especialmente os modelos de linguagem, que ainda não possuem uma verdadeira compreensão do conteúdo que geram. Embora as alucinações de IA sejam um desafio, elas podem ser mitigadas com melhores práticas de treinamento, validação e supervisão humana, especialmente em aplicações críticas".

Ou seja, ficamos assim sabendo que essa possibilidade exposta (alucinações) pela reportagem já era bem conhecida pelos especialistas da área. Tudo isso, aumenta - e muito - a preocupação com o pensamento, as fake news em expansão e a dificuldade crescente que já se tem em separar o que é verdade ou mentira na sociedade atual. E essa realidade (alucinações) já em curso, aparece quase como detalhe, no meio de uma matéria sobre retorno de capital nos investimentos na tecnologia de IA. 

O fato também permite observar o esforço dos técnicos em TIC (Tecnologia da Informação e Computação) em tentar "humanizar a tecnologia", ao afirmar que aquilo que é um erro estatístico e/ou de programação algorítmica dos dados, pode também ser chamado de "alucinação" como se estivesse tratando de um humano e não dá tecnologia, que assim ganha ares cada vez maiores de autonomia com a IA generativa e a IAG (Inteligência Artificial Geral).

Como se sabe, alucinações são experiências em que uma pessoa percebe algo (em qualquer dos sentidos, como visão, audição, olfato, paladar ou tato) que não existe e que, portanto, está fora da realidade. Experiências e fenômenos lidados pela psicologia e pela psiquiatria.

Ou seja, os "absurdos" produzidos pela tecnologia da Inteligência Artificial Generativa seriam agora uma espécie de desvios de personalidade da técnica (sic).
 
Uma naturalização da tentativa de humanizar o que não é humano, porque nesse caso a origem não é uma doença, mas erro e incapacidade da tecnologia pensar e/ou agir como humano em suas várias dimensões.
 
Assim, os erros de programação, seriam também interpretados como da falível natureza humana.
O fato acabou me remetendo ao Pierre Lèvy e seu antigo e imprescindível livro "As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática" de 1990. 

Lèvy afirmava já há quase quatro décadas que as transformações das sociedades contemporâneas estavam muito ligadas à técnica e que havia necessidade de que sua configuração não estivesse apartada de um projeto social em meio às disputas pelo uso e destino do objeto técnico.

Não há técnica neutra e nem faz sentido a oposição entre homem e máquina ou tecnologia, mas o contexto social e a dimensão para a qual se dirigem essas potentes tecnologias dirigidas pelas grandes corporações digitais (GCDs), as Big Techs.
 
Daí volto ao título da reportagem que foca na lógica do retorno dos investimentos do capital de risco e do conteúdo das preocupações voltadas para as empresas, por conta das alucinações da IA e não dá sociedade.

Não é a Inteligência Artificial que já está produzindo alucinações e sim, a sociedade e a civilização que deixam que os homens, em suas relações de poder, permitam que essa tecnologia continue atuando de forma desregulada e a serviço basicamente dos interesses econômicos e do capital.