segunda-feira, janeiro 13, 2025

Fundos financeiros batem novo recorde no Brasil em 2024 e atingem R$ 9,3 trilhões de patrimônio: capitalismo sob a hegemonia financeira

Com R$ 9,3 trilhões de patrimônio líquido em 2024, os fundos financeiros já se aproximam de 90% de todo o PIB do Brasil, embora saibamos que se tratam de naturezas distintas. Um é estoque e outro fluxo, mas aqui está sendo usado para comparação apenas para efeito de compreensão sobre o volume de patrimônio líquido sob gestão, que os fundos estão atingindo ano após ano no Brasil e no mundo.

Abaixo disponibilizo duas tabelas, uma com dados do patrimônio líquido total dos fundos financeiros que operam no Brasil no período de 2008 a 2024 em valores absolutos e reais; a outra com os valores dos patrimônios líquidos atualizados (correção pelo IGP-M da FGV) até dezembro de 2024.


Esses são números fechados pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais) no último dia de 2024. [1] O patrimônio líquido total de R$ 9,29 trilhões sob controle das gestoras dos fundos financeiros em 2024, foi 25% maior que o do ano anterior de 2023 (corrigido) que era de R$ 7,46 trilhões.

Em relação ao ano de 2008, o patrimônio líquido de 2024 de todos os fundos é quase três vezes superior em valores corrigidos e expressam uma lógica do capitalismo da gestão de ativos, frutos de uma ampla pesquisa que desenvolvi e que está detalhada no livro editado e publicado em 2019, pela editora Consequência, com o título: “A ´indústria´ dos fundos financeiros: Potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo”. [2]

Figura 1: Livro do autor, PESSANHA, R.M., 2019

Os fundos financeiros não são um mal por si, depende da forma com que se planeja a utilização desses excedentes na economia e seus reflexos na política. Hoje, no Brasil e no mundo, os fundos financeiros de diversos tipos (renda fixa, multimercado - hedge – private equity, Fip, Fdic, fundos imobiliários, cambial, fundo de índices – ETF, etc.) se articulam e se movimentam de forma cruzada com os investimentos dentro de mercado de capitais, ações, câmbio, fundos de pensão, etc.

Os movimentos das gestoras dos fundos financeiros têm refletido uma lógica de controle quase de quase setores inteiros da economia real em países e/ou regiões, através do controle acionário majoritário de várias corporações, cujas estratégias e lógicas, passam a ser da alta rentabilidade em curtos prazos e numa busca desenfreada pelo monopólio (caminho da oligopolização) e por garantias (marcos) legais para garantir uma hipermobilidade do capital empregado pelos investidores (cotistas) dos fundos.

Em junho e julho de 2021, eu fui convidado a participar de três lives (palestras online) sobre o tema “Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual”. Após, diálogos e debates, os organizadores e participantes, me solicitaram que organizasse um texto com as principais questões e indicadores apresentados. Assim, prepararei um texto publicado em meu blog [3] e depois, no portal 247 [4] e na Revista Brasileira de Geografia Econômica: Espaço e Economia [5].

Entre várias outras questões, a apresentação e o texto buscaram sustentar com dados da pesquisa empírica, elementos sobre como o rentismo foi se entranhando na economia real no Brasil, de onde passou a recolher excedentes cada vez mais expressivos. Adiante, o capital acumulado aparece sob a forma de capitalização nesses saldos dos patrimônios dos fundos financeiros (tabela 1 e 2), no aumento das propriedades e controle de milhares de companhias da economia real, nos papeis de diferentes e crescentes inovações financeiras e ainda no aumento do nº de investidores no mercado de capitais e na Bolsa de Valores, B3 dos quais realizam a captação dos excedentes. Se tratam de processos quase simultâneos de capitalização e valorização.

Nesta análise vale citar (com dados atualizados) um destes tipos de fundo financeiro hoje muito conhecido: o Imobiliário (FII). Em 2009, eram 2 mil investidores em FII no Brasil. Em agosto de 2020, os FII tinham ultrapassado a 1 milhão de investidores (quotistas); e, em março de 2024, já tinham chegado a 2,645 milhões de investidores no Brasil, sendo quase 80%, investidores pessoas físicas (CPFs). Em 2024, o mercado de FIIs esteve aquecido com uma média de negociações diárias de R$ 285 milhões, o maior patamar da história no país.

Outro exemplo, vinculado a esse movimento de nova forma de recolhimento de excedentes e dinâmica da capitalização no Brasil é o número de investidores na Bolsa de Valores, a B3. Em abril de 2019, esse número era de 1 milhão de investidores, já grande. Em março de 2020, tinha, rapidamente chegado a 2 milhões de investidores. Já em maio de 2024, superou 19,4 milhões de investidores na Bolsa de Valores, B3. Investidores pessoa física (CPF), enquanto o saldo em investimentos na poupança no país segue caindo, ano a ano, com mais retiradas do que depósitos.

Na ocasião, eu já aformava que se tratava de um processo de ampliação da dominação financeira com estratégias em que os donos dinheiros – andar de cima - passaram a definir e a controlar a atuação da produção - na economia real - em diferentes setores no território. Fui além, ao dizer que estávamos diante de transformações importantes nesta fase de deslocamento do capitalismo [6], fator que aumenta ainda hoje, as dificuldades para se observar o fenômeno, mesmo que a realidade de 2024, tenha nos trazidos, inúmeras evidências sobre como o capital financeiro disputa o poder político no país.

No texto em junho de 2021, eu também sustentei que era necessário entender porque o poder político no Brasil de 2022 seria bastante diferente do país de 2002, no que dizia respeito à economia política e às relações de poder, sob a hegemonia financeira que avançava na busca de maior controle sobre o Estado no Brasil, de uma forma bem distinta daquela que existia no país há duas décadas: “as relações Estado-Mercado-Sociedade estão rapidamente se alterando com o Estado sendo deslocado e perdendo o protagonismo para o Mercado”.

Saímos de um capitalismo da fase hegemônica industrial, de um circuito financeiro bancário que fazia a intermediação entre a produção e o consumo, dentro da tríade marxiana: “produção – circulação – consumo” e constituía o Modo do Produção Capitalista (MPC), para paulatinamente, entrar num circuito financeiro dos fundos e do mercado de capitais, onde o esquema tradicional ainda convive com estas várias e novas formas de inovação financeira. Assim, as finanças, também no Brasil, de forma paulatina, mas crescente, estão se tornando o “centro dinâmico da economia”, característico dessa fase do “capitalismo hegemonicamente financeiro”.

Figura 2: Esquema gráfico da passagem do esquema financeiro creditício para a capitalização dos fundos [7]


Não se pode falar das finanças intermediando a “criação de valor”, como costumam defender os economistas neoclássicos. Não se trata disso e sim de uma lógica que é, fundamentalmente, de extração de valor. Uma espécie de parasitismo junto à economia real. Assim, não cabe mais falar de intermediação financeira bancária e sim, uma lógica de “riscos - retorno - em curto prazos” e com altíssima rentabilidade dos ativos controlados pelos donos dos dinheiros, os rentistas.

Se trata de uma nova forma de repartição da riqueza produzida pelo trabalho. Uma etapa ainda mais radical do regime de acumulação e de extração de valor. Um “capitalismo de cassino” na leitura do Minsky (década de 90), ou “capitalismo da gestão de ativos”, na leitura mais recente da Mariana Mazzucato. [8] Talvez, possa ser falado em “rodadas de neoliberalismo”, como costuma se referir o professor Carlos Brandão da UFRJ.

Observa-se o número colossal de “inovações financeiras” ampliadas pelo potencial da tecnologia e das plataformas digitais. Assim, o mercado de capitais nacional enlaçado aos fundos globais vão se tornando instrumentos de vampirização da renda e da riqueza da economia real.

Esse movimento tem levado a Anbima a se vangloriar do mercado de capitais brasileiro, dizendo que esta evolução se deve ao fato dele ser autorregulamentado. Assim, seu CEO disse em 2018: “a autorregulação da Anbima, é um dos principais motivos para a atração de investimentos nos fundos financeiros no Brasil. Se trata de um modelo privado criado pelo próprio mercado de forma voluntária e independente”.

Ainda, segundo afirmava a Anbima em 2028, “o Brasil tem um mercado de capitais dos mais sofisticados entre as economias capitalistas do mundo. É o 13º maior mercado de capitais; o 3º maior mercado de derivativos e a 11ª maior indústria de fundos do mundo”. De lá para cá, a despeito dos nossos problemas, o país deve ter subido nesses rankings do mercado financeiro, cujo alvo era a substituição do Estado e do BNDES como banco de investimentos, tornando a sua atuação apenas complementar, deixando espaço para outros operadores, entre eles, o BTG.

Tudo isso expõe o processo que assistimos entre 2016 e 2022 de perda da capacidade de intervenção nas políticas econômicas nacionais nos diferentes setores ou frações do capital e de redução da autonomia e da soberania nacional, que, após 2023, se tenta duramente retomar, a despeito de um Congresso, em sua maioria ultraliberal e entreguista.

Assim, ainda se assiste, ao vivo e a cores, diariamente, a pressão do setor financeiro e do mercado de capitais na captura do orçamento e do fundo público, a favor do setor bancário, controlador das gestoras dos fundos. Na prática seguimos vendo como as finanças foram se tornando efetivamente, o centro dinâmico da economia capitalista contemporânea no Brasil, a despeito da perda das eleições de 2022; assim segue disputando dia a dia o poder político, mesmo sem disputar as eleições do país.

Neste sentido é necessário virar essa chave e ir mais fundo no enfrentamento dessa realidade que continua em vigência. Paradoxalmente, travam as despesas com as políticas públicas através de esquemas de controle e austeridade fiscal e especulação em conluio com o Banco Central “independente”. Não se importam com a aliança entre os setores do capital que rejeitam qualquer tributação (querem mais e mais desonerações), enquanto do outro lado concordam e apoiam a execução orçamentária, majoritariamente nas mãos do Congresso/Centrão, de forma fragmentada, ineficiente e corrupta, no velho esquema das emendas, derivado do conhecido orçamento secreto criado por Bolsonaro/Guedes e general Ramos.

O Brasil precisa recuperar a autonomia do Executivo eleito pela população para cumprir o programa para o qual foi eleito, sua capacidade de planejar e financiar um projeto nacional desenvolvimentista de retomada da inclusão social e da soberania nacional. É necessário superar essa fase do “capitalismo de gestão de ativos” com a qual os fundos financeiros têm servido apenas à plutocracia da elite econômica nacional articulada ao grande circuito financeiro global. Os fundos financeiros podem e devem ter um outro papel na economia política do Brasil.

 

Referências:

[1] Anbima. Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. A Anbima se coloca com a principal instituição que representa o mercado de capitais no país. Além da Anbima, minha pesquisa sobre os fundos financeiros levantou a existência de mais de duas dezenas de associações, fóruns e agências que organizam e articulam os interesses desta fração do capital.

[2] PESSANHA, R. M. A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2019.

[3] PESSANHA, R.M. Blog do Roberto Moraes. Postagem em 4 jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2021/06/capitalismo-sob-hegemonia-financeira-e.html

[4] PESSANHA, R.M. Portal 247. Coluna em 4 jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil atual. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/capitalismo-sob-a-hegemonia-financeira-e-o-poder-no-brasil-atual

[5] PESSANHA, R.M. Revista Brasileira de Geografia Econômica. Espaço e Economia. Ano X, Nº 21 - 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil. Disponível em: https://journals.openedition.org/espacoeconomia/19705

[6] DOWBOR, Ladislaw. O capitalismo se desloca: novas arquiteturas sociais. Edições Sesc São Paulo: São Paulo, 2020.

[7] Sobre as mudanças na forma de intermediação financeira, uso interpretações entrelaçadas com as investigações do professor-pesquisador Daniel Sanfelici, Departamento de Geografia da UFF, em sua apresentação no “Workshop Espaço e Poder: Infraestrutura, Financeirização e Território” no IPPUR-UFRJ, no dia 25 jun. 2019.

[8] MAZZUCATO, M. O valor de tudo: produção e apropriação na economia global. Recife: Portfólio-Penguin, 2020.

PS.: Sugiro outros dois importantes autores e livros que auxiliam na compreensão do movimento mais recentes das gestoras dos fundos financeiros e das transformações do capitalismo contemporâneo sob a hegemonia financeira.

CHESNAIS, F. O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In: CHESNAIS, F. (org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 35-67.

HARVEY, D. A loucura da razão econômica. São Paulo: BoiTempo, 2018.

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