Esses são números fechados pela Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais) no último dia de 2024. [1] O patrimônio líquido total de R$ 9,29 trilhões sob controle das gestoras dos fundos financeiros em 2024, foi 25% maior que o do ano anterior de 2023 (corrigido) que era de R$ 7,46 trilhões.
Em relação ao ano de 2008, o patrimônio líquido de 2024 de todos os fundos é quase três vezes superior em valores corrigidos e expressam uma lógica do capitalismo da gestão de ativos, frutos de uma ampla pesquisa que desenvolvi e que está detalhada no livro editado e publicado em 2019, pela editora Consequência, com o título: “A ´indústria´ dos fundos financeiros: Potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo”. [2]
Figura 1: Livro do autor, PESSANHA, R.M., 2019 |
Os fundos financeiros não são um mal por si, depende da forma com que se planeja a utilização desses excedentes na economia e seus reflexos na política. Hoje, no Brasil e no mundo, os fundos financeiros de diversos tipos (renda fixa, multimercado - hedge – private equity, Fip, Fdic, fundos imobiliários, cambial, fundo de índices – ETF, etc.) se articulam e se movimentam de forma cruzada com os investimentos dentro de mercado de capitais, ações, câmbio, fundos de pensão, etc.
Os movimentos das gestoras dos
fundos financeiros têm refletido uma lógica de controle quase de quase setores
inteiros da economia real em países e/ou regiões, através do controle acionário
majoritário de várias corporações, cujas estratégias e lógicas, passam a ser da
alta rentabilidade em curtos prazos e numa busca desenfreada pelo monopólio (caminho
da oligopolização) e por garantias (marcos) legais para garantir uma hipermobilidade
do capital empregado pelos investidores (cotistas) dos fundos.
Em junho e julho de 2021, eu fui
convidado a participar de três lives (palestras online) sobre o tema “Capitalismo sob a hegemonia financeira e o
poder no Brasil atual”. Após, diálogos e debates, os organizadores e
participantes, me solicitaram que organizasse um texto com as principais
questões e indicadores apresentados. Assim, prepararei um texto publicado em
meu blog [3] e depois, no portal 247 [4] e na Revista Brasileira de Geografia Econômica:
Espaço e Economia [5].
Entre várias outras questões, a apresentação e o texto buscaram sustentar com dados da pesquisa empírica, elementos sobre como o rentismo foi se entranhando na economia real no Brasil, de onde passou a recolher excedentes cada vez mais expressivos. Adiante, o capital acumulado aparece sob a forma de capitalização nesses saldos dos patrimônios dos fundos financeiros (tabela 1 e 2), no aumento das propriedades e controle de milhares de companhias da economia real, nos papeis de diferentes e crescentes inovações financeiras e ainda no aumento do nº de investidores no mercado de capitais e na Bolsa de Valores, B3 dos quais realizam a captação dos excedentes. Se tratam de processos quase simultâneos de capitalização e valorização.
Nesta análise vale citar (com
dados atualizados) um destes tipos de fundo financeiro hoje muito conhecido: o Imobiliário (FII). Em
2009, eram 2 mil investidores em FII no Brasil. Em agosto de 2020, os FII tinham
ultrapassado a 1 milhão de investidores (quotistas); e, em março de 2024, já
tinham chegado a 2,645 milhões de investidores no Brasil, sendo quase 80%, investidores
pessoas físicas (CPFs). Em 2024, o mercado de FIIs esteve aquecido com uma
média de negociações diárias de R$ 285 milhões, o maior patamar da história no
país.
Outro exemplo, vinculado a esse
movimento de nova forma de recolhimento de excedentes e dinâmica da
capitalização no Brasil é o número de investidores na Bolsa de Valores, a
B3. Em abril de 2019, esse número era de 1 milhão de investidores, já grande. Em março de 2020, tinha, rapidamente chegado a 2
milhões de investidores. Já em maio de 2024, superou 19,4 milhões de investidores na Bolsa de
Valores, B3. Investidores pessoa física (CPF), enquanto o saldo em investimentos na poupança no país segue caindo, ano a
ano, com mais retiradas do que depósitos.
Na ocasião, eu já aformava que se
tratava de um processo de ampliação da dominação financeira com estratégias em
que os donos dinheiros – andar de cima - passaram a definir e a controlar a
atuação da produção - na economia real - em diferentes setores no território.
Fui além, ao dizer que estávamos diante de transformações importantes nesta
fase de deslocamento do capitalismo [6], fator que aumenta ainda hoje, as
dificuldades para se observar o fenômeno, mesmo que a realidade de 2024, tenha
nos trazidos, inúmeras evidências sobre como o capital financeiro disputa o
poder político no país.
No texto em junho de 2021, eu também
sustentei que era necessário entender porque o poder político no Brasil de 2022
seria bastante diferente do país de 2002, no que dizia respeito à economia
política e às relações de poder, sob a hegemonia financeira que avançava na
busca de maior controle sobre o Estado no Brasil, de uma forma bem distinta
daquela que existia no país há duas décadas: “as relações
Estado-Mercado-Sociedade estão rapidamente se alterando com o Estado sendo
deslocado e perdendo o protagonismo para o Mercado”.
Saímos de um capitalismo da fase
hegemônica industrial, de um circuito financeiro bancário que fazia a
intermediação entre a produção e o consumo, dentro da tríade marxiana:
“produção – circulação – consumo” e constituía o Modo do Produção Capitalista
(MPC), para paulatinamente, entrar num circuito financeiro dos fundos e do
mercado de capitais, onde o esquema tradicional ainda convive com estas várias
e novas formas de inovação financeira. Assim, as finanças, também no Brasil, de
forma paulatina, mas crescente, estão se tornando o “centro dinâmico da
economia”, característico dessa fase do “capitalismo hegemonicamente
financeiro”.
Figura 2: Esquema gráfico da passagem
do esquema financeiro creditício para a capitalização dos fundos [7]
Não se pode falar das finanças intermediando a “criação de valor”, como costumam defender os economistas neoclássicos. Não se trata disso e sim de uma lógica que é, fundamentalmente, de extração de valor. Uma espécie de parasitismo junto à economia real. Assim, não cabe mais falar de intermediação financeira bancária e sim, uma lógica de “riscos - retorno - em curto prazos” e com altíssima rentabilidade dos ativos controlados pelos donos dos dinheiros, os rentistas.
Se trata de uma nova forma
de repartição da riqueza produzida pelo trabalho. Uma etapa ainda mais
radical do regime de acumulação e de extração de valor. Um “capitalismo de
cassino” na leitura do Minsky (década de 90), ou “capitalismo da gestão de
ativos”, na leitura mais recente da Mariana Mazzucato. [8] Talvez, possa ser
falado em “rodadas de neoliberalismo”, como costuma se referir o professor
Carlos Brandão da UFRJ.
Observa-se o número colossal
de “inovações financeiras” ampliadas pelo potencial da tecnologia e das
plataformas digitais. Assim, o mercado de capitais nacional enlaçado aos fundos
globais vão se tornando instrumentos de vampirização da renda e da riqueza da
economia real.
Esse movimento tem levado a
Anbima a se vangloriar do mercado de capitais brasileiro, dizendo que esta
evolução se deve ao fato dele ser autorregulamentado. Assim, seu CEO disse em
2018: “a autorregulação da Anbima, é um
dos principais motivos para a atração de investimentos nos fundos financeiros
no Brasil. Se trata de um modelo privado criado pelo próprio mercado de forma voluntária
e independente”.
Ainda, segundo afirmava a Anbima
em 2028, “o Brasil tem um mercado de capitais dos mais sofisticados entre as
economias capitalistas do mundo. É o 13º maior mercado de capitais;
o 3º maior mercado de derivativos e a 11ª maior indústria de fundos do
mundo”. De lá para cá, a despeito dos nossos problemas, o país deve ter subido
nesses rankings do mercado financeiro, cujo alvo era a substituição do Estado e
do BNDES como banco de investimentos, tornando a sua atuação apenas complementar,
deixando espaço para outros operadores, entre eles, o BTG.
Tudo isso expõe o processo que assistimos
entre 2016 e 2022 de perda da capacidade de intervenção nas políticas
econômicas nacionais nos diferentes setores ou frações do capital e de redução da
autonomia e da soberania nacional, que, após 2023, se tenta duramente retomar,
a despeito de um Congresso, em sua maioria ultraliberal e entreguista.
Assim, ainda se assiste, ao vivo
e a cores, diariamente, a pressão do setor financeiro e do mercado de capitais na
captura do orçamento e do fundo público, a favor do setor bancário, controlador
das gestoras dos fundos. Na prática seguimos vendo como as finanças foram se
tornando efetivamente, o centro dinâmico da economia capitalista contemporânea no
Brasil, a despeito da perda das eleições de 2022; assim segue disputando dia a
dia o poder político, mesmo sem disputar as eleições do país.
Neste sentido é necessário virar
essa chave e ir mais fundo no enfrentamento dessa realidade que continua em
vigência. Paradoxalmente, travam as despesas com as políticas públicas através
de esquemas de controle e austeridade fiscal e especulação em conluio com o
Banco Central “independente”. Não se importam com a aliança entre os setores do
capital que rejeitam qualquer tributação (querem mais e mais desonerações),
enquanto do outro lado concordam e apoiam a execução orçamentária, majoritariamente
nas mãos do Congresso/Centrão, de forma fragmentada, ineficiente e corrupta, no
velho esquema das emendas, derivado do conhecido orçamento secreto criado por
Bolsonaro/Guedes e general Ramos.
O Brasil precisa recuperar a
autonomia do Executivo eleito pela população para cumprir o programa para o
qual foi eleito, sua capacidade de planejar e financiar um projeto nacional
desenvolvimentista de retomada da inclusão social e da soberania nacional. É
necessário superar essa fase do “capitalismo de gestão de ativos” com a qual os
fundos financeiros têm servido apenas à plutocracia da elite econômica nacional
articulada ao grande circuito financeiro global. Os fundos financeiros podem e
devem ter um outro papel na economia política do Brasil.
Referências:
[1] Anbima. Associação Brasileira
das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais. A Anbima se coloca com a
principal instituição que representa o mercado de capitais no país. Além da
Anbima, minha pesquisa sobre os fundos financeiros levantou a existência de
mais de duas dezenas de associações, fóruns e agências que organizam e
articulam os interesses desta fração do capital.
[2] PESSANHA, R. M. A
‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no
capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro: Consequência, 2019.
[3] PESSANHA, R.M. Blog do
Roberto Moraes. Postagem em 4 jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira
e o poder no Brasil atual. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2021/06/capitalismo-sob-hegemonia-financeira-e.html
[4] PESSANHA, R.M. Portal 247.
Coluna em 4 jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia financeira e o poder no
Brasil atual. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/capitalismo-sob-a-hegemonia-financeira-e-o-poder-no-brasil-atual
[5] PESSANHA, R.M. Revista
Brasileira de Geografia Econômica. Espaço e Economia. Ano X, Nº 21 - 2021. Capitalismo
sob a hegemonia financeira e o poder no Brasil. Disponível em: https://journals.openedition.org/espacoeconomia/19705
[6] DOWBOR, Ladislaw. O capitalismo se desloca: novas arquiteturas sociais. Edições Sesc São Paulo: São Paulo, 2020.
[7] Sobre as mudanças na forma de intermediação financeira, uso interpretações entrelaçadas com as investigações do professor-pesquisador Daniel Sanfelici, Departamento de Geografia da UFF, em sua apresentação no “Workshop Espaço e Poder: Infraestrutura, Financeirização e Território” no IPPUR-UFRJ, no dia 25 jun. 2019.
PS.: Sugiro outros dois importantes autores e livros que auxiliam na compreensão do movimento mais recentes das gestoras dos fundos financeiros e das transformações do capitalismo contemporâneo sob a hegemonia financeira.
CHESNAIS, F. O capital portador de juros: acumulação, internacionalização, efeitos econômicos e políticos. In: CHESNAIS, F. (org.). A finança mundializada: raízes sociais e políticas, configuração, consequências. São Paulo: Boitempo, 2005, p. 35-67.
HARVEY, D. A loucura da razão econômica. São Paulo: BoiTempo, 2018.
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