As afirmações acima estão num texto do professor e pesquisador, Eduardo Costa Pinto do Instituto de Economia (IE/UFRJ), publicado no final do sábado (29 fev. 2020) em seu perfil no Facebook.
Entendo que os argumentos apresentados ajudam ao debate sobre as alternativas políticas no Brasil. Assim, abaixo posto o texto do artigo na íntegra e em seguida, outro texto com os comentários que fiz na mesma postagem.
Eduardo Costa Pinto em 29 fev. 2020:
Os resultados eleitorais em, boa parte, do mundo têm evidenciado que parte expressiva da população está optando em votar em candidatos que não representem o establishment, que é fortemente identificado com o "centro".
Os liberais e suas caixas de ressonâncias ideológicas (The Economist, fundações empresariais internacionais, grande imprensa liberal - no caso brasileira a Globo, a Folha, etc.) estão tentando reconstruir um "centro" nos países desenvolvidos e periféricos, mas isso não é possível dado que a população enxerga esse "centro" como o establishment.
E acho que com toda a razão, pois esse "centro", os “neoliberais progressistas”, nos termos da Nancy Fraser, governou a Europa e os EUA nos últimos 30 anos.
Arrisco a dizer que a população está questionando tanto o establishment econômico (1% mais rico) como o político (o sistema partidário em geral) e o acadêmico (professores e pesquisadores universitários, os donos da verdade científica e os que legitimaram os donos do poder nas últimas décadas).
É evidente que as fake-news criam cortinas de fumaça para a população, mas acho que temos que compreender os motivos (elementos estruturais) que criaram a demanda da população pelo anti-sistêmico.
Na questão econômica, o aumento da desigualdade e a piora gradual da renda do trabalho explicam esse movimento anti-sistema do povo. Não por acaso o Piketty ganhou toda sua notoriedade ao apresentar os dados de desigualdade na Europa e nos EUA nas últimas décadas.
No caso brasileiro, os efeitos sociais do austericídio da Dilma em 2015 foram devastadores. O choque de juros, o corte de gastos e, sobretudo, o choque de preços administrados (energia, gás, gasolina - o preço do botijão aumentou 20% em 2015) e a elevação rápida do desemprego aumentaram o descolamento do governo com a população mais pobre.
No caso do sistema político, há pouca alternativa em termos de proposições de políticas econômicas (dos diversos partidos com chance eleitoral) que busquem efetivamente melhorar as condições dos mais pobres e dos trabalhadores.
Basta olhar o que foi a terceira via europeia depois do Mitterrand, em 1982, e com o avanço do neoliberalismo na década de 1990.
É evidente que durante os governos Lula e Dilma as condições de vida melhoraram e não por acaso o Lula saiu como o presidente mais bem avaliado. Somado a catástrofe econômica de 2015, os efeitos políticos e institucionais da lava jato foram destruidores. Implodiu o sistema político com o efeito Joesley e acelerou no Brasil a ideia da necessidade do anti-sistêmico.
E foi o Bolsonaro que conseguiu capturar essa energia revolucionária da população (o atual espírito do tempo, basta ver o Chile e a produção do cinema – Coringa, Bacurau, Parasita, entre outros), vendendo-se como um “jacobino de direita”!
Vendeu a falsa ideia que vai mudar tudo que está aí! Mesmo ele sendo o mais arcaico da política brasileira. Para continuar com esse discurso precisa criar inimigos (Congresso, imprensa, esquerda marxista cultural, ONU, etc.) que estariam impedindo a melhoria do povo e da nação. Ainda vamos vivenciar turbulências constantemente.
No plano acadêmico, estamos cada vez mais distante da população e das questões brasileiras. Ficamos presos nas nossas especializações (no caso do economista como se fosse possível resolver tudo como uma política monetária ou fiscal mais adequada tecnicamente). Estamos presos aos pontinhos CAPES e a aprovação dos nossos pares. Nossas análises estão cada vez mais burocráticas. E isso vale não somente para os economistas, mas para boa parte das ciências sociais.
Não tenho uma resposta pronta para sair dessa situação. Mas tenho alguns pontos que acho que estão claros, pelo menos pra mim:
1) a saída neoliberal, implementada desde 2015 e aprofundada em 2016 e em 2019, não está gerando o crescimento econômico esperado, nem melhorando o mercado de trabalho. A fada da confiança não vai se materializar! Por outro lado, a mudança de regime em curso (reformas trabalhista, previdenciário, teto dos gastos, etc.) tem possibilitado uma forte elevação das taxas de lucros das grandes empresas (financeira e não financeiras) em detrimento do salários dos trabalhadores e da oferta de bens públicos pelo Estado;
2) não dá pra adotar as mesmas medidas econômicas utilizadas no governo Lula, pois as condições estruturais (mudanças nos termos de troca, destruição de segmentos produtivos em virtude dos efeitos da lava jato, etc.) se modificaram de forma expressiva a partir de 2011 que dificultam, em muito, construir o mesmo arranjo econômico da era Lula;
3) não há no atual momento como construir uma conciliação política (lulismo) com os setores dominantes. O outro lado (do capital) não quer (vide FIESP, bancos, agronegócio, etc.), pois as taxas de lucros das grandes empresas estão crescendo de forma vigorosa desde 2017. Esses segmentos dominantes estão tentando implementar uma mudança no padrão de acumulação do Brasil, retornando elementos pré 1930 da relação entre capital e trabalho e entre Estado e a população.
Acho que a esquerda tem que construir um programa mais ousada (o caso do Bernie Sanders é ilustrativo, se definir como uma socialista democráticos no EUA e mesmo assim ter chance eleitoral) que foque nos investimentos públicos em infra urbana, em educação e saúde (bens públicos) que deverá em parte ser financiado por forte elevação dos impostos sobre o 1% mais ricos (aumento do IPTU, do ITR, dos dividendos, das heranças, etc).
O 1% mais rico deve ser o nosso foco político, somente assim a esquerda vai se conectar com a demanda eleitoral anti-sistema da população. E não adianta fazer um programa ousado e depois girar completamente como a Dilma em 2015.
E olha que esse projeto mais ousado nada mais é do que um resgate da social democracia. E alguns amigos vão me dizer que um marxistas raiz não pode defender a implementação de uma social democracia clássica.
Minha resposta para isso é: dada nossa acumulação de forças atual a social democracia raiz tornou-se "revolucionário" para o Brasil marcado por seus setores dominantes escravocratas e patológicos, que adotam o Jeitão, nos termos do Chico de Oliveira, para se manter no poder a qualquer custo! Mudando regime, dando golpes clássico/militar ou parlamentar!
É evidente que essa acumulação de forças pode mudar rapidamente, mas não há sinais no curto prazo. Além de construir esse tipo de plano econômico, precisaremos defendê-lo com muita intensidade política. É possível implantar um programa desse tipo hoje no Brasil? Não sei responder, mas temos que tentar!
Realmente, essa batalha vai muito além do ciclo eleitoral, pois acho que viveremos uma transição longa no Brasil e no Mundo.
Sem o apoio dessa população (com seu espírito do tempo anti-sistema), a esquerda pode até ganhar a próxima eleição, mas não conseguirá governar nem levar o jogo até final do tempo determinado institucionalmente. Sempre pode aparecer um juiz que apite sem neutralidade!
Desculpem o texto longo, mas são inquietações que compartilho com vocês, num sábado à noite chuvoso no Rio, para pensarmos coletivamente.
Meu comentário em 01 Mar. 2020 sobre o texto do Eduardo Pinto como contribuição ao debate:
A direita impôs aos reformistas sociais, à centro-esquerda e à esquerda, a pecha de defender a política, enquanto eles (surgidos no Brasil com o movimento do impeachment e golpe) como sendo a não-política, o antissistema, o anti-establishment.
A política foi assim, sendo vendida como o demônio a ser enfrentado como pai e mãe da corrupção. E quem se colocava contra esse movimento, passou a ser visto como “gente do esquema da corrupção”. Gente que era do sistema a ser combatido. Assim, a direita se transformou e foi apoiada como antissistema, aqui e em outros lugares do mundo.
Aqui no Brasil, foi dessa forma que fomos sendo “entubados” em meio a esquemas confusos e uma explosão de informações e guerra de não-informações (Fake News), em vagalhões (ondas), que foram impondo o ódio e a violência contra o inimigo comum que representava o sistema a ser derrubado.
Desta forma, a direita já como parte do grande poder econômico, conquistou espaços e apoios populares. De dentro, o poder econômico passou a acreditar, centralizar e multiplicar esforços financeiros que bancou e expandiu as redes formais e não formais de comunicação. Com a opinião pública favorável (comprada ou conquistada) pela condição de antissistema, ela controlou também as principais decisões judiciais que se colocavam no caminho do projeto de retomada do poder depois de treze anos. Com essas redes de comunicações, os algoritmos do big data trabalharam, freneticamente, o público a ser conquistado para consolidar o candidato “anti-establishment”.
Em meio a este quadro, as questões levantadas pelo Eduardo merecem ser analisadas e debatidas. Elas são pertinentes. Em síntese, o Eduardo traz para o debate o argumento principal de que não haveria espaços no Brasil (e nem lá fora), para que a disputa política se dê pela busca do centro. Aliás, o que seria centro, está cada vez mais reduzido porque é visto como parte do sistema. E, em boa parte, não quer conciliação conosco. Uma parte segue preferindo a direita e outra está aí para ser conquistada.
Desta forma, a energia do “anti-establishment” (antissistema), assumida com o golpe pela direita, seria o caminho correto a ser perseguido e conquistado pela esquerda, com um programa mais ousado, verdadeiramente antissistema e mais claramente pós-capitalista, que tire de quem tem para entregar a quem não tem.
Nessa linha, a mobilização deveria ter como objetivo sair das reações pontuais às tresloucadas falas e decisões do desgoverno Bolsonaro, para ganhar corações e mentes entre a população. Assim, também se enfrenta os riscos à democracia. Mas é preciso ir além e propor um programa ousado que tenha a defesa clara de investimentos públicos em várias áreas como em especial: em infraestrutura e mobilidade urbana; habitação; energia mais em conta; bens públicos para melhorar a rede de educação e saúde, etc., tudo a ser financiado com dinheiro do tesouro, políticas keynesianas e recursos obtidos com a elevação dos impostos sobre os mais ricos, tributos sobre os dividendos dos investimentos financeiros e com a maior taxação da propriedade (heranças), etc. Esse é o debate para além apenas da necessária resistência ao estado autoritário e ao desgoverno dos ricos e para os ricos (plutocrata).
Nenhum comentário:
Postar um comentário