sábado, abril 18, 2020

Diário da pandemia, por Douglas da Mata

Abaixo a interessante análise transescalar e em várias dimensões que o Douglas da Mata publicou há pouco, em seu perfil no FB e o blog reproduz na íntegra abaixo.


Diário de pandemia...

Algumas observações ao longo da semana, a partir dos subsídios que tenho angariado em textos publicados por outros autores:

- Não há uma divisão (política) no comando do capital internacional e muito menos nas sua franjas (periferia, como a América Latina).

O roteiro é muito parecido em quase todos os países, e apesar de não haver provas de um sincronismo proposital, tudo faz parecer que seja desse modo.

Sempre há de um lado uma posição mais humanista ("científica"), que alinha alguns governantes, setores empresariais (geralmente os mais protegidos e beneficiados pelas ajudas governamentais) e as classes médias ligadas os serviços públicos (com algumas exceções, é claro), e de outro lado, supostamente, os "corona-céticos", que desafiam qualquer abordagem especializada do assunto, e que se dizem defensores do emprego e dos mais pobres.

- Não há essa divisão, o que está rodando é uma versão mais sofisticada da guerra híbrida na qual estamos imersos desde as décadas de 70/80 do século passado, quando a mídia empresarial virou um partido político, ao mesmo tempo que o sistema financeiro deixou de ser um meio de auxílio da acumulação capitalista para ser um fim em si mesmo.

Nessa versão, as principais armas são as ações diversionistas, na linguagem de inteligência e contra-inteligência militar, a maquiagem da realidade com fins estratégicos e táticos.

Nesse meio tempo, os poderes judiciários também formaram outro partido político, somando-se aos partidos militares na guerra ideológica que deflagrou o que virá: A Nova Idade Média.

Esse termo é só uma brincadeira, óbvio, porque ninguém defenderá que os pilares que estruturavam as sociedades medievais tenham voltado, mas é tentador fazer as comparações:
a) Pestes e pandemias;
b) Religiosidade exacerbada, com "novas inquisições";
c) Cidades fortificadas (condomínios e territórios das narco-milícias);
d) Restauração das formas autocráticas de governos, etc, etc, etc.

- Vivemos essa intensa gangorra: mandetta versus bozo, bozo versus braga neto, "científicos" e "corona-céticos", e por aí vão.

O objetivo é sempre apresentar uma narrativa polarizada, a fim de mostrar uma realidade binária, impondo sempre uma escolha, um lado.

Isso não quer dizer que as oposições tenham acabado, como luta de classes, ou a disputa pelo poder, nada disso, mas o que os formuladores das ações diversionistas (no jargão popular "fake news") fazem é reduzir a realidade a um nível de superficialidade que esconde o que está de fato acontecendo.

Enquanto a TV se apresenta como defensora da ciência ("a nova religião") e elege seus "heróis" e "vilões", bancos engordam seus caixas com a velocidade da luz, e de outro lado, a ajuda aos pobres e aos Estados da Federação andam a passo de cágado.

Na outra ponta, bozo, o "anti-herói" dos pobres", que com todo direito se ressentem de serem outra vez os mais prejudicados, surfa na onda de popularidade conferida pelos que ignoram as medidas de isolamento e prevenção sanitária.

Ora bolas, como falar em senso coletivo de saúde para pessoas que sequer têm água e sabão para lavar as mãos?

Quem quer ficar em casa, quando casa é um barraco no meio do esgoto, com 43 crianças famintas, no espaço de 10 m² pendurados em uma palafita de madeira ?

E o bozo, com sucesso, vai dizendo a essas pessoas que a situação delas não é resultado de um capitalismo que já os triturava e que sugou qualquer chance do Estado de reagir com rapidez em auxílio deles, mas sim culpa dos que defendem o fechamento da economia.

Sinais preocupantes que observei:

- Alguns países da Europa e Ásia começam a estocar e restringir a exportação de suas commodities (como o trigo);
- Aumento de compras de armas por cidadãos dos EUA (o que leva a crer, assim como a estocagem de comida que começou com pessoas comuns, que governos estejam fazendo o mesmo);
- Subida sustentada de preços de alimentos e itens de primeira necessidade (higiene e limpeza), que vem sendo escondida pela mídia;
- A região da Europa, dominada por alemães, ignorou solenemente o sofrimentos dos habitantes da Itália e de outros países mais pobres do bloco;
-Aumento da pressão da questão da imigração ilegal nas fronteiras da Europa, com o empobrecimento ainda mais drástico que se abaterá sobre a África, o que acontecerá de forma parecida nos EUA e seus vizinhos do sul.

O cenário não é animador.

Aguardemos...

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