terça-feira, junho 16, 2020

As refinarias de menor porte como atividade do circuito econômico do petróleo na lógica do capital controlado pelos fundos financeiros: o caso da Oil Group no Porto do Açu

O anúncio de mais um projeto empresarial junto ao Porto do Açu, gerou como de costume, um conjunto de perguntas que me foram endereçadas por diferentes interlocutores que mantenho através das redes sociais.

Refiro-me ao projeto de mini-refinaria anunciado há poucos dias pelo Oil Group e sua subsidiária no Brasil para instalação numa área do Porto do Açu, controlado pela Prumo Logística Global, holding do fundo financeiro americano EIG Energy Partners.

Mini-refinaria é uma unidade de beneficiamento de petróleo de pequeno porte, ou menor capacidade de processamento que ocupa menor área para suas instalações que são projetadas com alto grau de automação e baixa complexidade exigindo menor número de operadores. 

Neste projeto do Açu, seria uma unidade industrial que exigiria apenas 80 operadores, numa unidade modular que está sendo projetada para uma capacidade de processar 20 mil com possibilidades de ser expandida para 50 mil barris por dia, para a produção de diesel e gasolina. A empresa Oil Group que desenvolve este projeto com investimentos iniciais previstos em US$ 300 milhões, espera captar dinheiro também para outras cinco unidades, a serem montadas ao longo de uma década até 2030.

Neste contexto, a pergunta que naturalmente surge é? Trata-se de mais um anúncio real, um power-point, ou há possibilidades do projeto seguir em frente? Para responder a essa pergunta é necessário fazer um conjunto de considerações.

No mundo dos fundos financeiros espalham-se projetos vinculados à produção material. O objetivo é atrair capital para suas frações com promessas de maiores rentabilidades que significam, em última instância, maior captura de mais valia e maior espoliação. Assim, na atualidade os projetos concorrem entre si na fração e entre frações no que chamamos de uma disputa intercapitalista. 

Para melhor compreender esses projetos (fenômenos) foi fundamental interpretar as estratégias políticas, econômicas e espaciais sobre os movimentos no capitalismo contemporâneo na sua estrutura, as articulações políticas e entre as suas frações (setores econômicos) e os espaços (as regiões).

A partir desse olhar para a superestrutura tem sido possível observar com maior apuro e detalhes, os fatos divulgados, assim como agentes envolvidos nos vários projetos. Eles guardam muita relação e similaridade entre si. Desta forma se pode analisar melhor cada um dos projetos. Neste caso específico da mini-refinaria, mesmo que diante ainda de informações e dados ainda iniciais, algumas questões e hipóteses já são possíveis de serem observadas, tentando separar o que seriam intenções e  marketing e o que pode vir a ser real.


Seis considerações sobre o projeto da mini-refinaria no atual contexto do circuito econômico do petróleo
Desta forma, observemos os projetos das mini-refinarias da empresa Oil Group. Para isso, eu listarei seis considerações iniciais mais relevantes, para se compreender o contexto destes projetos vinculados ao circuito econômico do petróleo. 

Em boa parte, eles são projetos que dependem da captação de financiamento para a sua viabilização, conforme promessas de lucros e rendimentos. Depois farei alguns comentários sobre o empreendedor idealizador deste projeto, a empresa Oil Group:

1) Há atualmente boa liquidez de capital no mundo. Sobra dinheiro em fundos financeiros que vão se movimentando saindo das frações que entraram em colapso com as crises sucessivas e cumulativas (como camadas da cebola) e também oferta de ativos desvalorizados e novos projetos que, a partir de agora, serão olhados com o viés pós-pandemia, já de olho numa nova rodada do neoliberalismo.

2) Os projetos de refinarias de pequeno porte já funcionam (e bem) no mundo para atender economias regionais e são muito rentáveis quando próximo do insumo (petróleo). Com a lógica neoliberal, o funcionamento desse esquema no Brasil dependia do desmanche feito pela atual diretoria da Petrobras e ANP na parte de distribuição (já feita) e de refino (em curso). Ou seja, a desintegração da empresa nacional. Feito isso, esse projeto, com essas características, tendem a produzir mais lucros na proporção da escala e dos riscos.

3) É mais interessante fazer seis mini-refinarias (com capacidade de 20 mil barris por dia (bpd), que já nem seria mini) do que comprar ou montar uma de porte maior, como as que estão sendo vendidas pela Petrobras. As refinarias de menor porte possuem custos fixos baixos. A operação 80/100 empregos, apenas. Os ganhos com economia de logística para receber insumos e distribuir os derivados é colossal, em relação ao enorme aparato de distribuição por áreas maiores. Além da refinaria ser sempre mais barata próxima ao posto do que ao poço. Quando se junta as duas coisas é um colosso em termos de rentabilidade.

Desenho esquemático de uma mini-refinaria
4) Os empreendedores destas mini-refinarias vendem ainda a ideia de que possuem um Capex baixo (pequena demanda de investimentos em equipamento e instalações para seu funcionamento). Partes das instalações industriais já chegam fabricadas. São pré-montadas e se estruturam por módulos que exigem menor tempo de implantação que as grandes refinarias que chegam a levar 6 anos para serem montadas. Tende a ter um menor impacto ambiental e mobilizar menos áreas. Baixos custos de operação e manutenção. Com uma capacidade de processamento de 20 mil bpd é possível estimar uma movimentação anual de cerca de 1,5 milhão de toneladas de petróleo por ano, exigindo uma área de cerca de 250 mil a 300 mil m² (ou 30 hectares) que seria equivalente a menos de 0,5%, de toda a área disponível no DISJB, junto ao Porto do Açu.

5) Esses projetos vem sendo desenhados para o Brasil desde o final da 1ª década, lá por volta de 2010, no auge do boom do ciclo petro-econômmico. O Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras, tinha um projeto similar que pensava em iniciar com parte do dinheiro que havia desviado da empresa e em sociedade com aqueles em que atuava em conluio. Outros grupos estão desenvolvendo projetos similares de mini-refinarias no país de olho em transformações decorrentes de uma nova lógica de distribuição de combustíveis no Brasil, o sexto maior consumidor do mundo.

6) Depois da crise de 2015/2016, dos baixos preços, a discussão desses projetos voltaram ao cenário nacional. No Nordeste, a empresa Noxis Energy tem projeto de uma mini-refinaria, já licenciado no litoral de Sergipe, onde o estado liberou área para a sua implantação. É um projeto de uma pequena refinaria com capacidade para processar entre 25 mil e 35 mil barris por dia de petróleo. O mesmo grupo tem ainda projeto para outras mini-refinarias no Espírito Santo e Amapá. A Oil Group, além do projeto do Açu e no litoral capixaba tem projetos no Nordeste e Centro-Oeste, onde há demanda e se importa combustíveis.  A ideia é sempre de fornecer e atender um mercado regional.  A questão é que se trata também de um projeto que depois de montado e licenciado é que se vai atrás da captação dinheiro, quase sempre junto aos fundos financeiros e/ou em articulação com os bancos. Os fundos possuem analistas financeiros que investigam os vários projetos para escolher os mais rentáveis e de menor risco, o que inclui as várias garantias oferecidas, entre as quais estão as vantagens comparativas e isenções de impostos, áreas obtidas e as chamadas condições gerais de produção que vão deste estradas, acesso à energia elétrica e telecomunicações, até à formação de mão de obra e outras, obtidas a partir das articulações com o poder político que em troca ganha o discurso do emprego e do “progresso”.


Sobre a empresa Oil Group que apresenta a ideia (projeto ainda está em execução) no Açu
A Oil Group é uma empresa de pequeno porte criada em 2013, mas que começou a atuar de fato, só em 2014, com profissionais que conhecem o setor de petróleo onde pretendem atuar, em especial nos segmentos de up-stream (exploração e produção) e down-stream (beneficiamento) e serviços. 

A ideia geral e o planejamento inicial da Oil Group foi a de atuar em diferentes segmentos da cadeia de valor de petróleo e gás. Hoje a Oil Group possui cerca de 20/30 funcionários que atuam num escritório no Rio e outro no Texas, EUA. Tem pretensões de atuar no mercado da América do Sul e Caribe, incluindo além do Brasil, na Colômbia, Equador, Peru e Uruguai. 

No Brasil, antes deste projetos de pequenas refinarias, a Oil Group, através da SeaSeep, passou a atuar no setor de E&P no Brasil ao adquirir três blocos terrestres na bacia do Recôncavo Baiano (em áreas adjacente aos ativos já existentes), ocasião em que passou a ser credenciada pela ANP para as ofertas permanentes de exploração de petróleo em terra da agência.


O protocolo de intenções entre a Prumo Logísitca e Oil Group para atuar no Porto do Açu
Como se pode depreender do que foi até aqui exposto, há um tendência de projeto de mini-refinarias ganharem potencial com o desmonte gradual do parque de refino da Petrobras e com a privatização já realizada da BR-Distribuidora.

O momento de crise e redução de demanda gerada pela crise econômica e pela pandemia tende a ser ultrapassada num horizonte redução até 2024 prazo projetado em que o projeto poderia ser concluído no Porto do Açu.

A Oil Group diz já ter contrato com a empresa Biodinâmica para elaborar o EIA-Rima e cuidar do licenciamento ambiental junto ao Estado (SEA/Ceca) e a duas construtoras que poderiam atuar na construção e montagem, a Intech Entrepose e Tridimensional Engenharia. Porém, para isso se realizar será necessário ainda o capital. O financiamento.

Eu tenho insistido nas razões dos motivos porque tantos projetos aparecem e somem sem se viabilizarem. Para compreendê-los é preciso entender essa lógica do capital vinculado aos fundo financeiros que controlam os ativos (projetos) e corporações. 

Muitas vezes, os donos destes dinheiros estimulam até projetos concorrenciais sabendo que apenas um deles se viabilizará, mas a disputa entre os mesmos, para acesso ao capital, criam as condições para que seus idealizadores possam negociar com o poder político (estado) buscando mais vantagens que garanta em última instância, maior rentabilidade e lucros aos acionistas.

O projeto da mini- refinaria ainda está sendo concluído e terá que passar por licenciamento ambiental, embora o Oil Group já tenha anunciado acordo com o Porto do Açu e além da empresa para o licenciamento e as construtoras, anunciou também que o fornecimento de insumo (óleo) para a mini-refinaria viria da Shell Trading. A previsão é de que as obras comecem no último trimestre do ano que vem (2021) e a operação se inicie entre 2023/2024 e prevê que durante as obras pode ter entre 500 e 1000 trabalhadores atuando na construção civil e nas montagens industriais.


A lógica financeira dos fundos determinam a chegada de novos empreendimentos é a mesma que constituiu o próprio Porto do Açu
Enfim, este artigo tem a função de contribuir para que se tenha uma visão melhor, mais analítica e crítica sobre as matérias e marketings que acompanham as notícias sobre os projetos anunciados para a região. Para isso é preciso, sempre reunir e alinhavar algumas informações soltas e dispersas. 

Ou seja, investigar melhor este circuito econômico com características globais que é o setor de petróleo e sua relação com os complexos portuários-industriais como o do Porto do Açu.

Esse tipo de método de análise que os meus amigos pesquisadores chamarão de uma investigação no campo espaço-economia, busca identificar a forma como o capital se movimenta em busca de sua reprodução ampliada no território, sob a forma que os economistas chamam de capital-fixo, no caso através de uma mini-refinaria.

Esse tipo de análise facilita a interpretação sobre as estratégias entre “fixos e fluxos” utilizadas pelos donos dos dinheiros no capitalismo contemporâneo, permitindo assim, tornar mais compreensível a análise sobre tudo aquilo que se anuncia nos dias atuais, em termos de novos empreendimentos na região.

Como já foi descrito no artigo publicado abaixo sobre a sua gênese e o processo-histórico do Porto do Açu (veja aqui), o mesmo de trata de um enclave econômico com pouca relação com a região, mesmo se apropriando de enorme área do litoral do Norte Fluminense. [1]

O projeto da mini-refinaria da Oil Group, mesmo que se viabilize, a grosso modo, ele irá na mesma linha do caso da usina termelétrica da GNA, com poucos empregos na fase de operação, embora, com uma maior oferta de postos de trabalho na fase de construção e montagem.

Assim, o capital produz o território e a região para os seus interesses. Assim, quando necessário se articulam com o poder político (Estado nas suas três esferas) para obter as licenças, os subsídios e isenções tributárias que garantirão melhores margens de lucros.

Os empreendimentos e as corporações fechadas e isoladas em suas cercas e portarias, exercem o controle sobre as instalações que produzem os lucros e os rendimentos que alimentarão os donos dos dinheiros que são os gestores dos fundos financeiros.

Essa mesma lógica foi a que originou o complexo logístico-portuário do Açu e segue propiciando o seu paulatino adensamento, sem que mudanças significativas tenham sido promovidas a favor da população que habita a região do seu entorno.


Referência:
[1] Postagem no blog em 13 de junho de 2020. Revendo alguns detalhes da gênese e do processo histórico-político da implantação do Porto do Açu. Disponível em: https://www.robertomoraes.com.br/2020/06/revendo-alguns-detalhes-da-genese-e-do.html

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigado por compartilhar sua análise sobre o empreendimento.
Ao ler uma matéria sobre o projeto da refinaria no Açu, fiquei pensando sobre a viabilidade do empreendimento. Infelizmente, nos sites de notícias, fatos como esse são relatados com euforia sem reflexões e contrapontos.