sexta-feira, julho 10, 2020

"Descomissionamento de plataformas e seus efeitos", por Francismar Cunha, UFES

O geógrafo, mestre e doutorando em Geografia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e pesquisador sobre o setor de petróleo e suas repercussões sobre o território, oferece aos leitores do blog mais uma análise (com tabela e mapa) sobre o avanço do processo de descomissionamento de plataformas no Brasil e seus efeitos para as regiões, onde os circuitos econômicos do petróleo se desenvolvem.

Outras análises sobre esse processo de descomissionamento ainda precisam ser feitas, em várias dimensões, incluindo o fato de que com menores exigências da Política de Conteúdo Local, boa parte das oportunidades de negócio, renda e emprego não serão geradas no país e assim alimentarão a parte do circuito econômico que estão em outros países, diante do grau atual de desmonte e desintegração que se faz dos ativos da Petrobras.

A leitura desse texto deve levar em conta a visão espacial (com mapa) identificando os ativos de produção que serão desativadas. Vale ainda relembrar outro ótimo artigo (anterior) do Francismar Cunha, publicado aqui, no blog no dia 8 de maio de 2020.


Descomissionamento de plataforma e seus efeitos 

É sabido que a produção de petróleo e gás do Brasil em sua maior parte provem da exploração no mar (offshore). Em 2018, de acordo com a ANP, as atividades petrolíferas marítimas responderam por 95,7% da produção de petróleo e 80% da produção de gás. Essa produção que foi/é possibilitada por centenas de plataformas espalhadas no mar, sendo que a maioria se encontra operadas ou contratadas pela Petrobras se concentrando na bacia de Campos. Essas plataformas vêm sendo alvo de muitas questões, dentre elas, destacam-se os processos de hibernação e o descomissionamento. Sobre esse último que iremos nos deter na presente ocasião.

O descomissionamento consiste nos serviços de desmontagem e desativação das plataformas. Ele geralmente ocorre com fim da vida produtiva de determinado campo e/ou ao final da vida útil de determinada plataforma. Nesses cenários, são encerradas as atividades, são feitas limpeza e remoção de estruturas e recuperação ambiental do local.Tratam-se de operações com alto custo e elevado potencial de geração de impactos ambientais. 

Configura-se como uma atividade recente na indústria brasileira de petróleo. Fato que comprovado pela resolução nº 817/2020 publicada em abril pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) em parceria com a Marinha do Brasil e o Ibama. A resolução define as regras para o descomissionamento de instalações de exploração e produção de petróleo e gás natural, os procedimentos de devolução de áreas à agência reguladora (com inclusão na Oferta Permanente) e a alienação e reversão de bens.

A ANP estima que 96 plataformas de produção serão descomissionadas até 2025 de acordo com a agência Petróleo Hoje. Nesse contexto, destaca-se a atuação da Petrobras. A petroleira em seu atual plano de negócios (2020-24) prevê descomissionar 18 plataformas entre as bacias Potiguar, Sergipe-Alagoas, Espírito Santo e Campos conforme aponta o quadro 01:

Quadro 01: Plataformas com descomisssionamento previsto pela Petrobras.



O campo de Cação, que teve a produção encerrada em 2010, já teve a licitação para o descomissionamento realizada e o consórcio Piauí-Alabama formado pelas empresas Triunfo Logística, SeaPartners, Shore Offshore Services e Método Potencial Engenharia, foi o vencedor da licitação. O valor apresentado pelo grupo para prestar o serviço foi de US$ 38,5 milhões de dólares.

O caso das plataformas das Bacias Potiguar e Sergipe-Alagoas destaca-se pelo fato de que praticamente todas elas têm em comum o fato de se localizarem em campos que estão com anúncio de venda pela Petrobras. A exceção é do campo Biquara.
Entretanto, o que chama a atenção é o grande descomissionamento na bacia de Campos, em especial no campo de Marlim. Vale ressaltar que a bacia de Campos, assim como muitas outra no Brasil, vem sofrendo com o processo de desmonte. No mapa 01 pode ser visualizado o desmonte da bacia de campos e as plataformas em processo de descomissionamento.

Mapa 01: Plataformas da Petrobras com descomissionamento aprovado e previsto, campos e infraestruturas vendidas e com anúncios de venda pela Petrobras nas bacias de Campos e Espírito Santo.





























Nota-se no mapa que das 12 plataformas em processo de descomissionamento na bacia de Campos, três estão em campos com anúncio de venda pela Petrobras como é a caso da P-12 no campo Linguado, da P-07 em Bicudo e da P-15 em Piraúna. Esse processo é mais um aspecto que demonstra o movimento de redução/privatização da participação da Petrobras na Bacia de Campos, em especial nos campos de águas rasas. 

Além disso, tem-se a plataforma FPSO Capixaba, que é afretada junto a SBM e tem o contrato com término previsto para 2022, e conforme o plano de descomissionamento da Petrobras a tendência é que não ocorra a renovação do contrato. As outras 8 plataformas estão localizadas unicamente no campo de Marlim.

O campo Marlim, descoberto em 1985, se configura como um campo dito maduro, mas ao mesmo tempo se apresenta como um dos principais campos de produção da bacia de Campos e do país. Possui poços no pós e no pré-sal. Ao todo, encontram-se no campo nove plataformas sendo sete de produção (P-18, P-19, P-20 e P-26, P-33, P-35 e P-37) e duas para tratamento, armazenamento e o escoamento da produção do campo (P-32 e a P-47). A capacidade total de processamentos das plataformas é de 835.480 bbl/d de petróleo e mais de17 milhões de m³ de gás por dia. O descomissionamento do campo se insere no contexto do projeto de revitalização do mesmo pela Petrobras.

A Petrobras pretende retirar as plataformas próprias, inclusive a P-19 que foi em maio de 2020 a 29º que mais produziu petróleo no país (28.306 bbl/d) de acordo com a ANP, para inserir duas plataformas afretadas junto a japonesa Modec (FPSO Marlim 1) e a malasiana Yinson (FPSO Marlim 2). Essas novas plataformas juntas teriam capacidade de processar 150.000 bbl/d de petróleo 11 milhões de m³ de gás por dia.

Essas transformações do caso de Marlim têm uma implicação direta sobre os trabalhadores, afinal, a diminuição do número de plataformas acarreta diretamente na redução de trabalhadores próprios (que poderiam ser realocados ou inseridos no Programa de Desligamento – PDV da Petrobras) e terceirizados. Além disso, tem um efeito sobre a cadeia do petróleo, afinal, ocorrerá menor demanda pelos serviços de manutenção. Soma-se a isso ainda, o fato de que as novas plataformas tendem a vir do exterior, não utilizando assim o conteúdo local em sua montagem.

Vale ressaltar ainda que apesar de ser um processo relativamente recente, em anos anteriores outras plataformas já foram descomissionadas na bacia de Campos. Esses descomissionamento tinham como singularidade o fato de se restringirem a plataformas afretadas e não próprias da Petrobras como agora. Destacam-se os descomissionamentos das plataformas afretadas junto a SBM Offshore que foram o FPSO Brasil no campo de Roncador, o FPSO Marlim Sul no campo Marlim Sul, e o FPSO Espadarte no campo Espadarte. Soma-se a esses, o FPSO Cidade Rio das Ostras que atuava no Campo Badejo afretado junto a Teekay e Petrojarl e o FPSO Cidade do Rio de Janeiro afretado junto a Modec que atuava no campo Tartaruga Verde atualmente vendido pra a Petronas conforme aponta o mapa 01.

Em resumo, pode ser apontado que o descomissionamento, em especial os das plataformas próprias da Petrobas atualmente, representa basicamente três coisas. Uma primeira, apreciada pelos loobies empresariais privados, que significa novos serviços na indústria petrolífera brasileira que demanda adaptações no portfólio de atuação das empresas que já atuam no setor ou representa a possibilidade para a entrada de novos agentes, principalmente de multinacionais, afinal, são serviços que demandam equipamentos e tecnologias singulares.

A segunda vem apenas reafirmar o desmonte da empresa, afinal, o descomissionamento das plataformas dos campos colocados a venda apenas evidencia o desinteresse da atual gestão da Petrobras pelos campos maduros. Finalmente, a terceira que representa os efeitos sobre o trabalho, principalmente na bacia de Campos a partir do caso de Marlim, afinal, a prática de revitalização de Marlim, implica diretamente na redução dos trabalhadores.

PS.: O texto original foi publicado ontem (9 de julho de 2020) à noite e depois retirado para algumas atualizações que constam agora deste texto republicado (10 jul 2020) 15:14.

3 comentários:

Thiago Duarte disse...

E quanto a vida útil remanescente dos sistemas de operação/produção e a própria embarcação? Sabe-se, por exemplo, que não há opção técnica para substituir os turrets que estão em final de vida útil. Bom, a análise não é apenas teórica, existem problemas práticos que não tem solução. Daí melhor parar antes de entrar num risco as pessoas e/ou meio ambiente.

Silvando disse...

Thiago, acredito que essa discussão não aconteceria se o objetivo fosse instalar novas unidades, com mais tecnologia, para possibilitar a retirada de mais petróleo dos poços maduros. O que está acontecendo hoje, muito mal comparando, é a venda de uma autonomia de táxi num ponto razoável, pelo preço do carro velho. A força de uma empresa de petróleo é medida por suas reservas, e elas estão sendo praticamente doadas junto com a estrutura metálica.

Thiago Duarte disse...

A concessão não está sendo vendida ou cedida. O problema são os equipamentos, vida útil. E sim, aplica-se na produção de óleo e gás o estado da arte das tecnologias. Claro que não pode-se também confundir com técnicas não convencionais, alternativas.
Teoria e prática, a complexidade do tema não permite afirmações de um único aspecto.
Enfim, tudo certo.