O texto-ensaio com o título acima é fruto de um convite que
recebi dos editores da revista ComCiência publicada pela SBPC e pelo Labjor
(Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo) da Unicamp [aqui].
O convite para a publicação de um texto que compõe um dossiê da ComCiência sobre
"Virtualização", se deu em função das abordagens que venho fazendo em
textos, entrevistas e conferências virtuais, sobre o tema de minha pesquisa há
quase dois anos, a respeito do "capitalismo de plataformas", em suas
várias dimensões e escalas.
O ensaio expressa uma síntese que se esforça para contribuir para a compreensão
e debate, sobre o fenômeno da plataformização que produz significativas
transformações no modo de produção capitalista no mundo contemporâneo.
Vivemos um gigantismo e uma quase onipresença do setor de tecnologia. A tecnologia
deixou de ser apenas um fator de produção e hoje, passou a constituir, o maior
oligopólio da história do capitalismo mundial, em que imperam as empresas, tipo
plataformas-raiz, que são Big Techs.
Sobre o signo de uma ideia difusa de progresso e de um fetiche que a tecnologia
exerce sobre toda a sociedade, hoje se tem uma enorme concentração de capitais
nessas Big Techs. Através do seu papel de plataformas de intermediação, elas
exercem um controle e um poder confiscatório, sobre todos os demais setores da
economia, nos variados cantos do planeta.
As plataformas digitais na condição de meio de circulação informacional e
logístico, extraem valores e riqueza da produção e da distribuição para o
consumo e assim ampliam a precarização sobre o trabalho com retirada de
direitos sociais visando garantir maiores lucros e acumulação de capital no
andar superior. É neste andar superior que o setor de tecnologia foi abraçado
pela hegemonia financeira dos capitais de riscos e fundos e, assim, constituíram,
esse novo oligopólio, quase que onipresente, sobre quase tudo que envolve a
sociedade no mundo global na contemporaneidade.
Na dimensão da política e da geopolítica, os efeitos da plataformização, são ainda mais preocupantes, através da captura de dados - que se tornou a nova commodity e um propriedade dos donos dos dinheiros – ela vem transformando a política, a partir do aprendizado de máquina dos algoritmos.
Trata-se de um processo em crescimento exponencial, porque na medida que se captura mais dados, armazenados em Big Datas, o aprendizado de máquina (Machine Learning) da Inteligência Artificial (IA) fica mais potente, tanto para uso comercial, quanto para uso das disputas de poder, no campo que se passou a chamar da tecnopolítica.
O resultado de tudo isso tem sido a guetificação,
memificação e a perda da capacidade de interlocução da política, como forma de
mediar os diferentes interesses na sociedade. Na prática, o meio que é a
plataforma digital, por onde a informação trafega, se tornou um instrumento inverso
à intermediação política.
As plataformas digitais, das quais as redes sociais são
parte, acabaram promovendo a antipolítica, a não mediação e a interdição do
debate e das formas de construção de acordos e pactos em meios aos conflitos na
sociedade, produzindo efeitos severos e graves, sobre a já muito combalida,
democracia liberal ocidental.
Os algoritmos exploram as vulnerabilidades humanas,
favorecem o individualismo e reforçam perigosamente a autoestima que é a origem
da "egotização", na expressão do filósofo coreano Byung-Chul Han.
Assiste-se a uma enorme fragmentação das coisas, fruto da
explosão de informações (entre as fake news), que tende à superficialização e
atomização, ao abandono da ideia de conhecimento, ciência e racionalidade,
trazendo mais desgastes para a ideia da construção e da ação política.
Assim, em meio a algumas boas coisas que as plataformas digitais
trazem para o convívio humano e em sociedade, com possibilidades de comunicação
instantânea entre as pessoas, o possível acesso mais democratizado às
informações, ao conhecimento, à cultura, essa ferramenta, acabou por nos
conduzir a um processo paradoxal e imensamente preocupante. Há quem enxergue
exagero ao listarmos os riscos e as preocupações. Porém, em decorrência dos bônus,
da existência das redes sociais fomos impingido a conviver e enfrentar, um
conjunto expressivo de ônus e sequelas que parecem colocar em risco o próprio processo
civilizatório.
Até aqui todos os esforços de regulação têm sido inúteis. Os
Estados se mostram impotentes para controlar esse processo, seja em termos
obrigação de divisão das empresas e oligopólios, seja em termos de tributação,
ou controle da sociedade no direito à privacidade que deveria proibir essa
commoditificação dos nossos dados, seja para uso comercial e/ou político.
O que se vê são as próprias empresas-plataformas propondo se autocontrolarem ou autoregularem, o que configura a dominância de
um modelo de negócio do mercado, para o mercado e controlado pelo mercado.
Nesta fase, o capitalismo deixa de usar o mercado e assume por completo - e de
forma total - o controle da sociedade, passando por cima de um Estado ausente
e/ou submisso. Uma espécie de autocontrole do hipercapitalismo do presente.
A ideia dos setores progressistas de ocupar espaços nas
redes socais parece pouco eficiente, porque o controle de todo esse mecanismo
está centralizado no mercado que tutela ainda o poder político e também o poder judiciário.
Até por isso, a regulação das plataformas digitais - até o momento - não passa de
quimeras e intenções.
Tenho dúvidas se neste modelo é possível viabilizar esforços
contra hegemônicos que tentam usar e ocupar as próprias redes e plataformas
digitais, para exigir o que não se consegue na sociedade.
Porém, penso que é preciso seguir a luta. Responsabilizar os
donos das plataformas digitais gigantes (FB, Google, Amazon, Apple, Microosoft)
e exigir o controle e a privacidade dos dados pela sociedade. E, se for o caso,
até proibir, em nome da civilização, determinados usos dessas redes.
Só a pressão da sociedade modifica esse processo. Só a
Política pode mudar (ou não) o que está em curso com o gigantismo e a dominação que o setor tecnologia exerce através do processo de plataformização.
Assim, eu apresento este texto-ensaio que busca uma relação entre teoria, conceitos, categorias e alguns dados de pesquisas empíricas, sobre o desenvolvimento das plataformas digitais, na expectativa de que eles possam contribuir para uma melhor compreensão e transformação que esse fenômeno está impondo ao mundo contemporâneo.
PS.: Atualização às 13:57 de 19/09/2020 para algumas correções e ajustes no texto.
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