Plataforma pelo dicionário é “uma superfície plana e horizontal, mais alta que a área circundante”. A definição explica bem essa nova fase do capitalismo. A plataforma se torna a propriedade a partir da posse de nossas informações “dataficadas” (nova commodity).
Essa captura dos dados gerados pelos cliques, curtidas, likes, comentários, navegações e engajamentos mobiliza as plataformas de mídia que usam "marketing one to one" que permitirá o mercado de produtos e serviços, atenda, através do algoritmos, interesses e desejos de consumidores. Desta forma, se efetivou a "indústria" do engajamento.
Assim, as
plataformas digitais passaram a realizar a intermediação entre a produção e a
comunicação, ligando produtores e consumidores e articulando grupos em diferentes
partes do mundo. As plataformas-digitais não produzem riquezas, mas se
apropriam de porções maiores dos lucros de todos os setores da economia, a partir
do controle da comunicação e apropriação dos nosso dados.
As plataformas
como meios de produção (e-commerce) e
meios de comunicação (mídias digitais) constroem seus “modelos de negócios”
entre o intangível digital e a materialidade da infraestrutura de logística, aplicativos,
veículos de streamings e jogos para entretenimento.
Assim, as empresas-plataformas e
os aplicativos (Apps) se espalham por todos os setores da economia (frações do
capital) em velocidade espantosa envolvendo diferentes atividades no capitalismo contemporâneo:
finanças (fintechs, home-banking); educação (eTech); agronegócios (agTech);
alimentação e comida (foodTech); saúde e bem-estar (healtTech: terapia e
consultas on-line, exames etc.); marketing (marTech ou adTech: mídia,
publicidade direcionada e de engajamento etc.); jurídico (lawTech ou legalTech:
legislação, petições automáticas, resolução de conflitos e negociações);
negociação de imóveis (propTech: vendas e aluguéis); logística de entrega (delivery
de produtos, embalagem, mediação com pagamento, etc.); comércio eletrônico (e-commerce);
gestão de documentos etc.
A tecnologia vem de longe e sempre dependerá do trabalho humano
Vale registrar que a tecnologia sempre foi fator importante em nossas vidas. Não existe tecnologia sem o fator trabalho. Sendo assim, é preciso afastar esse falso mito da tecnologia sem o ser humano. A tecnologia sempre prescindiu do sujeito e isso vem lá de trás, antes até da Revolução Industrial quando a tecnologia se transforma em fator de produção. A tecnologia vem de longe e sempre dependerá do trabalho humano, mas o inaceitável é o atual e crescente nível de apropriação de renda e riquezas que nos trouxeram à neoescravidão do presente.
Anteriormente,
a inovação estava quase que exclusivamente vinculado à produção, às máquinas,
automação e também à organização do trabalho, desde o taylorismo/fordismo ao Toyotismo.
Agora no trabalho digital, no plataformismo, o trabalhador é controlado e
supervisionado por gestão algorítmica.
Além de ver o
trabalho precarizado e parte de sua renda vampirizada, através de enorme
extração de valor com perda de direitos, o trabalhador contemporâneo quase que
implora para ser explorado e sobreviver, como o servo em relação ao senhor do
capital-plataforma, no feudalismo digital dos dias atuais.
O pesquisador
inglês Guy Standing já previa no seu livro “The corruption of capitalism” há
alguns anos – e poucos conseguiam sequer avaliar do que se tratava – que até 2025,
um terço das transações relativas ao trabalho já estaria se dando através das
plataformas digitais. A pandemia acelerou isso a um grau alarmante.
Um App como
chefe e supervisor da produção, despersonaliza e desumaniza as relações de
trabalho, antes já bem deterioradas. Essa relações passam parecer parte de um
jogo, em que o trabalhador espoliado, sonha passar de fase, enquanto envelhece
e vê suas forças serem sugadas, sem direitos e sem maiores perspectivas e
sonhos.
A cobrança por
produtividade é feita pelo App de um celular, um algoritmo que esconde o rosto
do chefe da cobrança, expõe uma falsa igualdade, a ilusão da meritocracia e
escancara a racionalidade neoliberal.
A aliança entre a dominação tecnológica, startupização e a financeirização
Tudo isso
reforça a interpretação de que o “plataformismo” se estabelece como nova etapa
do “Modo de Produção Capitalista” e um novo ciclo de acumulação, leitura que compartilho
com o pesquisador francês François Chesner, grande estudioso do processo de
financeirização já há décadas.
Aliás, não há como observar essas transformações das empresas em plataformas e o trabalhador controlado por aplicativos, sem observar que a lógica da plataformização na extração de valor é parte da estratégia da hegemonia financeira, refletida no movimento dos fundos financeiros e na engenharia dos derivativos do mercado de capital.
Assim, é fácil observar o avanço, não menos espantoso, dos aportes de
capitais de fundos, bancos e corporações. Elas explicam a atual dominação
tecnológica, onde pontifica o gigantismo das Big Techs. Do ocidente ao oriente essas corporações alcançam individualmente valores de mercado superior a US$ 2 trilhões, juntas as seis maiores só dos EUA, valiam no início deste 2021, um total de US$ 8,1 trilhões.
Assim, se
verifica a explosão de plataformas e ao que chamo de “startupização”, vinculada
à financeirização e o plataformismo. Fundos financeiros aportam bilhões de
dólares nas startups que em sua maioria são empresas-plataformas e
empresas-aplicativos.
Mesmo no
Brasil, na periferia do capitalismo tardio, entre 2011 e 2019, se vê um aumento
de 20 vezes, no número de startups, que hoje já superam 13 mil, segundo a associação
do setor, a Abstartup. No final de 2020, onze já eram de unicórnios, como os investidores
gostam se se referir às startups que já alcançaram valor de mercado superior a U$
1 bilhão ou mais de R$ 5 bilhões todas empresas-plataformas. Todas.
Em meio à “crise
econômica” no Brasil, o volume de investimentos em startups alcançou US$ 7,5
bilhões nos últimos três anos. US$ 3,14 bilhões, só em 2020, ano da pandemia,
metade desse valor foi alocado nas fintechs que receberam aportes de US$ 1,5
bilhão, confirmando a aliança entre a hegemonia financeira e a dominação
tecnológica, que para o trabalhador se reflete na precarização e na gestão algorítmica
escravizada do seu trabalho.
A hegemonia financeira sustentada no controle tecnológico passou a dominar a política e o Estado
Em meio a todo esse processo é
evidente que o poder econômico avançou ainda mais sobre o poder político. A
dominação tecnológica hoje oligopolizada, foi paulatinamente, abandonando a
estratégia de apenas influenciar a política.
A dominação tecnológica foi
adiante e passou a dirigir e controlar o poder político e o Estado, sem que
tenham adquirido representação para tal. Quem efetivamente tem poder exerce e
não vai ficar aguardando regulações. Ao contrário age sobre quem tem papel
institucional de regular. Esse controle foi escancarado, a partir das punições
a autoridades de diversos países, independe das razões, que evidenciam as
limitações da chamada democracia liberal ocidental.
Em síntese, no capitalismo
contemporâneo, a hegemonia financeira foi passando a ser exercida em novo
patamar de forma total e imperial, através da dominação tecnológica, que na
prática se tornou fator de controle tanto sobre o trabalho, quanto sobre a
política e a geopolítica.
Algumas lideranças mundiais já
identificam os riscos sobre o esgarçamento civilizatório e a imposição da guerra
de todos contra todos, que, talvez até possam considerar a barbárie como uma
condição histórica nem tão ruim assim.
Arroxaram os cintos, seus patrões se escondem nos aplicativos e plataformas e as autoridades estão nas mídias sociais controladas pelo império das finanças globalizadas. O piloto não sumiu e o império manda avisar que está mais presente e vivo que nunca!
PS.: Abaixo um infográfico que expõe a multidimensionalidade do fenômeno do "Plataformismo" que se traduz num esforço de síntese para a compreensão do "capitalismo de plataformas" e as transformações no "Modo de Produção Capitalista".
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