Elas são almas-gêmeas e estão
fortemente imbricadas e inter-relacionadas. Não existiriam as Big Techs sem a
financeirização hegemônica no capitalismo contemporâneo. Assim, esse oligopólio
da dominação tecnológica vai em direção ao desejo original de monopólio do
capitalismo.
A financeirização apoiada pela
tecnologia se aproxima da obtenção do monopólio de controle sobre o sistema que
extrai o valor do trabalho e elimina, sem nenhum pudor, a concorrência de
mercado.
plataformização, as empresas-raiz-plataformas,
não apenas transformam o Modo de Produção Capitalista (MPC), mas avançam com a
força do poder de monopólio que manipula a política e controla o Estado.
As plataformas-raiz são as corporações
que exercem a dominação tecnológica e avançam como predadores ou vampiros,
capturando e engolindo as concorrências e promovendo aquilo que já foi
amplamente estudado, só que como hipótese, que agora está prestes a ser
realizar o antimercado.
Essas primeiras leituras são
partes das investigações científicas sobre dois movimentos que venho
acompanhando mais de perto. Elas buscam compreender a extensão do fenômeno do
capitalismo de plataformas ou do processo que venho chamando de
“plataformização” ou “plataformismo”.
Trata-se de uma etapa mais
recente do Modo de Produção Capitalista (MPC), que antes passa pelo taylorismo
(fordismo) e pelo Toyotismo, mas sem deixar de conviver com estas fases
anteriores, agora, sob novas roupagens, como o neo-taylorismo do trabalho
precarizado e supervisionado pelos aplicativos. Já abordei esse assunto no
artigo “Commoditificação de dados, concentração econômica e controle político
como elementos da autofagia do capitalismo de plataforma”. [1]
E-commerce de varejo, meios de pagamento, rentismo e financeirização
Os dois processos a que me refiro,
substantivando-o, passa ainda pela migração do comércio tradicional para o
e-commerce de varejo e para a startupização. Assim, a inovação tecnológica e o
empreendedorismo, estão sendo capturados pelo setor financeiro que desta forma elimina
os custos e os riscos da inovação, ao mesmo tempo em que garante o controle dos
“ativos vencedores” da economia real na atualidade.
De forma breve, é possível
observar o movimento no comércio e circulação das mercadorias em que atuam as
empresas-plataformas do e-commerce de varejo, tema tratado no meu artigo “Disputa
no e-commerce de varejo no Brasil: Entre o intangível do digital e a
materialidade da infraestrutura de logística” [2].
Em síntese, identifica-se nesse
processo, uma migração da era do boleto, passando pelo cartão de fidelidade,
chegando agora ao “superAPP”, os aplicativos que integram as vendas no
e-commerce de varejo às operações financeiras decorrentes dos meios de
pagamento.
Só para ter uma ideia, o Mercado
Pago, um braço da empresa-plataforma de e-commerce de varejo, o Mercado Livre,
hoje, movimenta duas vezes e meia mais dinheiro, do que a venda de mercadorias
no shopping virtual, incluindo o marketplace. Em 2020, foram US$ 50 bilhões em
transações financeiras contra US$ 20 bilhões na venda de mercadorias. Números
da atuação do Mercado Livre nos 18 países em que está presente na América Latina.
Sem tomar muito tempo, vou citar
dois outros exemplos que demonstram bem, como o rentismo entra no interior da
economia real para extrair excedentes, promovendo um ciclo de acumulação financeira,
ainda mais potente, a partir da base tecnológica das Big Techs (que ficam com
sua parte).
O rentismo avança através da
inovação dos meios de pagamentos digitais. Ele migra do esquema dos bancos
tradicionais e é potencializado pelas fintechs (financeiras tecnológicas), com
articulação dos fundos financeiros, que estão na base (background) deste
movimento do capital junto aos fluxos financeiros que circulam no potente
comércio do varejo hoje ampliado pelas vendas digitais.
Outro caso é do ramo da mídia corporativa.
Enquanto a rentabilidade do grupo Folha de São Paulo patina com as suas várias
empresas, a Pag Seguro (das maquininhas), teve um lucro líquido em 2020, ano da
pandemia, de nada mais nada menos, que R$ 1,4 bilhão.
O terceiro caso empírico para
explicitar a relação entre a economia real e a financeirização é de uma corporação
do varejo, a Riachuelo através do seu braço financeiro, a Midway (em vias de
ser oficializada como banco).
A Midway com o seu cartão (RCHLO)
além de ser responsável por cerca de metades das vendas do grupo (nas lojas ou
e-commerce), possuía em 2020, uma carteira de crédito com R$ 3,7 bilhões e
ativos de R$ 6,2 bilhões. A Midway já possuía em 2020, uma das 10 maiores bases
de clientes perante o Banco Central, sendo a maior entre as financeiras do
segmento varejo, trabalhando com 32,4 milhões de cartão de crédito para vendas,
empréstimos pessoais, cobranças digitais, etc.
Poderia citar vários outros
exemplos em que lucros financeiros definem os lucros líquidos totais de grandes
grupos e corporações. Os três exemplos acima (e-commerce, mídia e varejo) são
ilustrativos para identificar como o rentismo e a financeirização foram se
tornando parte dos negócios das empresas (o mais rentável) e não um setor à
parte como antes. A digitalização e as plataformas estão aumentando a potência
destes negócios imbricados ao esquema rentista-financeiro.
Por isso, a discussão sobre taxas de juros passa a ser uma questão mais complexa, que supera a dualidade que se fazia entre o setor bancário e financeiro e a economia real. Tema que gerava (e ainda gera) tantos debates, em termos de regulação financeira e políticas públicas desenvolvimento e que o movimento do capital foi superando.
Fundos financeiros, inovação tecnológica e startupização
A financeirização e o rentismo se
tornaram partes integrantes e vinculadas à economia real. A fluidez disso tudo só
se tornou possível no volume que é hoje, por conta do uso intensivo dos fundos
financeiros que oferece uma hipermobilidade setorial e espacial ao capital.
Trato disso, no meu livro “A ‘indústria’ dos fundos financeiros potência,
estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo”. (Imagem ao lado) [3]
Ainda sobre o movimento mais
recente do capital vale ainda descrever uma outra linha de investigação que
descrevo num texto “Inovação, financeirização e startups como instrumentos e
etapas do capitalismo de plataformas” que está saindo no livro “Geografia da
Inovação: Território, Redes e Finanças”. Neste texto, destaco a relação direta entre
os fundos financeiros e o lançamento de startups (processo que chamo de
startupização).
Em um processo paulatino, mas
crescente, as gestoras de fundos financeiros passaram a controlar as ideias
inovadoras, o lançamento de editais e aportes de capitais, deixando clara a
forma e o processo como o capital passou a capturar todas as novas empresas
inovadoras e de sucesso que despontam, sem os conhecidos riscos do mercado.
Segundo a Abstartups (Associação
Brasileira de Startups) [4], em 2011, ano de criação da associação, o país
contabilizava 600 startups instituídas. Em 2019, o Brasil já havia multiplicado
em mais de 20 vezes esse número em relação a 2011, alcançando um total de 12.727
startups, a grande maioria (3/4) empresas-plataformas ou aplicativos digitais.
Em 2018, surgiram o que o mercado
chama de primeiros unicórnios, startups cujo valor de mercado ultrapassa US$ 1
bilhão. Em 2020, já eram 12 unicórnios e previsão em 2021 (anos da crise
econômica e pandêmica) desse número chegar a 20. Esses dados reforçam a
interpretação da relação umbilical entre inovação e financeirização, através também
do processo de startupização.
Segundo dados da consultoria
Distrito, que atua fazendo essa intermediação entre capital e as startups – que
chamam de “aceleração no ecossistema de startups” -, o volume de investimentos
em startups no Brasil alcançou US$ 1,39 bilhões em 2018; US$ 2,96 bilhões em
2019 e chegaram a US$ 3,14 bilhões, em 2020, ano da pandemia. Sendo metade,
apenas das Fintechs que receberam aportes de US$ 1,5 bilhão. Ainda segundo previsão
da Distrito, em 2021, esse volume de investimentos deve chegar a US$ 5 trilhões
[5] [6]. Assim, em apenas quatro anos (2018 a 2021), os investimentos em
startups no Brasil somarão US$ 12,5 bilhões.
Considerações finais
Enfim, considerando a leitura
mais totalizante deste processo e de suas estratégias, não há como analisar nenhum
destes fenômenos da plataformização, financeirização e startupização de forma
isolada. Eles só existem da forma conjunta e complementar e são responsáveis
pelos maiores oligopólios da história da humanidade, num patamar acima do que
foram as corporações do setor de óleo (Big Oil), as grandes siderúrgicas e as
montadoras de automóveis nos primórdios do capitalismo.
A escala de concentração
econômica é gigantescamente maior e com o agravante de agir de forma direta, ou
transversal, sobre todos os demais setores da economia, ou frações do capital, na
direção da dominação tecnológica e do rentismo num ambiente que já é de hegemonia
financeira.
Tem-se aí um novo tipo de
oligopólio que exerce um nível de domínio de mercado nunca visto antes, com
poder anticoncorrencial e de certa forma, também como antivalor na leitura da
Economia Política (Oliveira, 1988) [6] no que diz respeito ao desenvolvimento
das forças produtivas, das relações no interior do MPC e entre as classes
sociais e o Estado.
Os enormes oligopólios atuam como
predadores com tendências ao monopólio e ao antimercado, sonho original do
capitalismo. Assim, o capitalismo contemporâneo avança em termos de acumulação de
capital e das relações de poder sobre o Estado, quando a regulação passou a ser
apenas uma quimera, diante do processo de dominação total.
Referências:
[1] PESSANHA, Roberto Moraes. Commoditificação de dados, concentração econômica e controle político
como elementos da autofagia do capitalismo de plataforma. Revista
ComCiência do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp e SBPC.
16 de setembro de 2020. Disponível em: <https://www.comciencia.br/commoditificacao-de-dados-concentracao-economica-e-controle-politico-como-elementos-da-autofagia-do-capitalismo-de-plataforma/>
[2] PESSANHA, Roberto Moraes. Disputa no e-commerce de varejo no Brasil: Entre o intangível do
digital e a materialidade da infraestrutura de logística. Revista
ComCiência do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp e SBPC.
2 de novembro de 2020. Disponível em: <https://www.comciencia.br/disputa-no-e-commerce-de-varejo-no-brasil-entre-o-intangivel-do-digital-e-a-materialidade-da-infraestrutura-de-logistica/>
[3] PESSANHA, Roberto Moraes. A ‘indústria’ dos fundos financeiros: potência, estratégias e
mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de Janeiro. Editora Consequência. 2019.
[4] Associação Brasileira de Startups (Abstartup), criada em 2011 com o
objetivo de promover e representar as startups brasileiras. Tem sede no
município de São Paulo, e seu portal informa que possui mais de 1000 startups
inscritas na associação: <https://abstartups.com.br/>.
[5] O Globo, 4 janeiro 2021, P.21. MATSUURA, Sérgio. Apetite para o risco – Após captação
recorde de US$ 3,1 bi em 2020, start-ups seguem na mira de investidores.
Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/start-ups-batem-recorde-em-2020-com-us-31-bi-em-aportes-seguem-na-mira-dos-investidores-1-24821880>.
[6] O Globo, 7 de março de 2021,
p.32. ROSA, Bruno. Brasil terá 20
unicórnios em 2021, prevê especialista. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/brasil-tera-20-unicornios-em-2021-preve-especialista-24913183>
[7] OLIVEIRA, Francisco de. O
surgimento do antivalor: capital, força de trabalho e fundo público. Novos
Estudos CEBRAP, São Paulo, n.11, p8-28, out.1988. Disponível em: <
http://novosestudos.uol.com.br/v1/files/uploads/contents/
56/20080623_o_surgimento_do_antivalor.pdf>
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