As Fintechs conhecidas a partir do acrônimo que une os termos “finanças” e “tecnologia” parece algo novo, mas não é, ainda que seja um embarque na onda da inovação das plataformas digitais, Appficação, meios de pagamento digitais, internet banking, etc. Para facilitar a identificação do que fazem as fintechs são também chamadas de bancos digitais.
As fintechs são instrumentos recentes, mas
seguem cobrando juros nos mesmos patamares dos "bancões tradicionais", embora
ofereçam facilidades de abertura de conta e oferta de alguns serviços, bancados
em grande parte pelos baixos custos que possuem na captação de dinheiro
(depósito), que é um dos maiores custos da intermediação bancária. [1]
Bancos e fintechs na essência fazem
intermediação bancária. Coleta recursos de terceiros e presta serviços e
fornece créditos a outros. Não há segredo. Ambos vivem dos ganhos desta
intermediação, independente dos recursos tecnológicos ou físicos de agências
dos operadores de um ou outro.
A maior fintech no Brasil e uma
das maiores do mundo, a Nubank, totaliza cerca de 5 mil funcionários e atende a
quase 40 milhões de clientes, enquanto os dois maiores bancos tradicionais do
Brasil estão na faixa de 90 mil bancários e milhares de agências para atender
98 milhões de clientes.
As fintechs vendem a ideia de que
suas atuações visam os clientes e não os seus produtos, mas os bancos
tradicionais há anos comercializam essa mesma fantasia. Porém, a questão vai muito
para além do número de clientes e contas, em especial quando - em breve - o Banco
Central abrir o compartilhamento de dados de todos os clientes de instituições
financeiras.
O fato é que a luta entre o novo
e o velho não parece ser a disputa principal e sim a permanente tendência de
concentração (oligopolização). Esta tende permanecer, a despeito das fintechs prometerem
que vieram para realizar a desejada desconcentração bancária no Brasil para livrar
a população da ditadura dos bancos com seus juros estratosféricos e enormes
margens de lucro. Reportagem de junho de 2021 do UOL destacou essa questão dos
juros nas fintechs: “Competição com fintechs beneficia clientes de bancos, mas
não derruba juros”. [2]
Há até quem tenha boa fé e acredite,
mas isso não é real, o que permite interpretar que bancos tradicionais e
fintechs seguem lucrando juntos, inclusive com os primeiros comprando os
segundos como startups, no processo já conhecido de aquisições e concentração.
Aliás, duas das maiores fintechs
do Brasil com acesso ao varejo de crédito, acabaram de receber, aportes em sociedade
com bancões e fundos estrangeiros por conta do interesse em ter acesso a esse
setor no Brasil líder na América Latina, aproveitando este momento de ampliação
da digitalização bancária e dos esquemas de meio de pagamento e moedas digitais
em todo o mundo.
Expansão das fintechs no Brasil
Em maio de 2021 um total de 1.158
fintechs já existiam e atuavam legalmente no Brasil, enquanto funcionavam menos
de duas centenas de bancos, segundo dados do Banco Central. A expansão das
fintechs se deu de forma mais expressiva entre 2014 e até 2018, quando surgiram
503 fintechs no país, mas seguem crescendo.
O surgimento, ampliação de
atuação e adensamento das fintechs, vem ocorrendo na maior parte dos casos, com
fortes aportes de capital de fundos financeiros, mas também de bancos
tradicionais, que tentam assim não perder o controle sobre o setor de varejo da
intermediação financeira. Só nos últimos anos mais de US$ 4,5 bilhões foram
investidos em fintechs no Brasil.
As sedes das fintechs, assim como
os bancos tradicionais, estão instalados no centro da maior economia do país, a
região Sudeste, onde concentram-se 72% delas. As fintechs de maior porte estão
classificadas como meios de pagamento, mas o nicho de atuação delas é mais
amplo.
A consultoria Distrito que
acompanha o movimento das startups no Brasil classifica as fintechs em 14 diferentes
categorias. Entre parênteses a quantidade em maio de 2021: a) Meios de Pagamento
(174); b) Crédito (157); c) Back Office (153); d) Cartões (98); e) Serviços
Digitais (96); f) Criptomoedas (87); g) Risco e Compliance (78); h) Tecnologia
(77); i) Investimentos (70); j) Fidelização (48); k) Crowfunding (40); l)
Finanças Pessoais (39); m) Dívidas (22); n) Câmbio (19).
A rápida expansão do número de
fintechs, a diversidade e os focos de atuação delas dentro do espectro da
intermediação financeira, reflete o peso da dominação tecnológica neste
sensível setor. O uso expandido das plataformas digitais e dos aplicativos como
instrumentos de intermediação que ligam as pontas entre quem tem dinheiro e
quem precisa de crédito é central para a expansão deste tipo de negócio.
Esses elementos tornam as
fintechs um modelo de negócio que ao mesmo tempo em que ajuda a desburocratizar
o setor, com menores exigências na aberturas de contas e movimentação
financeira, também trabalha com custos de captação e oferta de crédito mais
baixos entre outras facilidades. Além disso, é também um instrumento muito
menos controlado e regulado pelas autoridades monetárias.
Todos estes fatos ajudam também a
explicar porque o Nubank hoje já é a quinta instituição financeira mais valiosa
no Brasil e um dos maiores bancos digitais do mundo, tendo hoje a um valor de
mercado de US$ 30 bilhões, 50% acima do tradicional Banco do Brasil cotado também
em junho passado a US$ 20 bilhões. Na lista das dez instituições financeiras
com maior valor de mercado no Brasil estava, além da Nubank, a XP, a Stone
(hoje com capital da GloboPar) e PagSeguro que é uma Fintech controlada pelo grupo
Folha de São Paulo/UOL. [3] [4]
A digitalização das finanças e a desregulação do setor
O que está vindo pela frente é uma
explosão da digitalização das finanças, exatamente o espaço onde atuam as
fintechs. Essa articulação tem a ver com os fluxos e a intermediação
financeira, mas também em especial com meios de pagamento (pós-cartão) e com o
uso intensivo da Inteligência Artificial (IA) e os Big Datas (BD). Com o open
banking - plataforma que o Banco Central (BC) disponibilizará – haverá o
compartilhamento de informações financeiras de crédito e compras dos bancos
tradicionais dos correntistas para uso universal e aí a IA será ainda mais
importante.
A baixa regulação tende a
aumentar os riscos. O mercado de capital já se vangloria ao se dizer que é um
setor autorregulado, sem se importar com a CVM. A tendência é que as fintechs
escancarem cada vez mais a desregulação do setor impondo mais riscos na mesma lógica
de que o mercado se autorregula e sem conseguir limitar a oligopolização que
virá pela frente.
Isso não é discurso crítico desta
lógica apenas. Quem já vem alertando há algum tempo para esse problema no plano
global é o FSB (Conselho das Entidades Financeira), nada mais e nada menos que órgão
que trata da estabilidade financeira em nome do G-20. Desde 2018, o FSB vem
chamando a atenção para o “open banking” e para as fintechs dizendo que elas
possuem regulações limitadas nos seus estados-nação, também por conta das relações
que elas possuem com o poder das Big Techs (PESSANHA, 2019, p.166-168). [5]
É ainda importante reconhecer que
a ampliação do surgimento das fintechs acontece no âmbito do processo de
startupização que se desenrola no Brasil e no mundo, onde investidores
descobriram uma fórmula de investir praticamente sem riscos. Na última década,
o número de startups no Brasil se multiplicou em mais de 20 vezes.
A busca pela desconcentração bancária
nos país é um movimento correto, mas pode ser uma ilusão, diante do que se
conhece em termos da histórica concentração e oligopolização do setor
financeiro no Brasil e no mundo, onde o capital global aspira os excedentes
nacionais em busca de lucros cada vez maiores.
Dominação tecnológica amplia a hegemonia financeira
Esse processo passa pela atual dominação
tecnológica. O poder da tecnologia é um fator importante para o atual deslocamento
do capitalismo para a criação de uma nova etapa do Modo de Produção Capitalista
que também acontece de forma ainda mais acelerada e potente sobre o setor de
intermediação financeira.
Com as plataformas e as finanças
digitais se une mais facilmente o mercado de capitais, os fundos financeiros, o
varejo do crédito, permitindo ainda um maior enlace entre capitais globais e nacionais.
As fintechs caem perfeitamente como uma luva para os movimento dos fundos financeiros
já profundamente imbricado ao mercado de capitais (títulos, câmbio e ações) e
enlaçando forma transescalar o capital global e aos capitais nacionais.
Neste percurso temos assistido a
um controle mais amplo do mercado (esse ente abstrato, mas que age de forma
concreta com uma grande máquina calculadora, subtraindo de um lado e acumulando
em outro) sobre a política econômica em todos os setores. Porém, agora de forma
especial se vê ainda mais claramente, o mercado financeiro também definindo,
direcionando e controlando o crédito e assumindo o protagonismo que antes era
do Estado.
É evidente que esquema que está se
ampliando em velocidade colossal se aproveitando das fragilidades dos
Estados-nações e do domínio das gigantes da tecnologia que já atuam como
Estados-Plataformas (LEVY, Pierri, 2020). [6]
Tenho insistido em denominar esse
processo como “dominação tecnológica que amplia a hegemonia financeira”. Não é
aceitável que essa intermediação financeira e o setor bancário continuem
atuando de forma tão desregulada, permitindo a livre circulação do capital
fictício que extrai cada vez mais porções de valor (e renda) da economia real,
precarizando o trabalho e transitando livremente de maneira transfronteiriça.
[7]
Essa lógica neoliberal em que o
mercado assume o protagonismo precisa ser repensada. Os EUA, internamente, já
identificou a necessidade de controlar esse protagonismo do mercado com o Estado
a reboque. Não chega a ser o que faz a China com sua regulação agora maior
sobre a relação entre suas gigantes de tecnologia e seu setor financeiro. A
União Europeia com a Alemanha à frente, também começa a repensar essa lógica
fiscalista, de Estado mínimo da lógica neoliberal na formulação de suas
políticas.
Aliás, foi o setor público que
impediu a quebra das empresas na crise do subprime 2008/2009 e também agora, no
auge da pandemia. Assim, não faz nenhum sentido que o fundo público sirva
apenas para alimentar os donos dos dinheiros nas fases de colapso dos ciclos econômicos.
É preciso que observemos melhor o
que está em curso. Estas investigações não podem servir apenas às pesquisas
acadêmicas e sim estar a serviço do esforço para realizar transformações nas
relações com a sociedade. É necessário ainda ser mais ousado e ir para além das
mudanças periféricas e normativas deste mercado predador do capitalismo da
gestão de ativos. E nesse sentido, o setor das finanças, como centro dinâmico
do capitalismo contemporâneo, urge por observações e transformações a favor da
maioria da sociedade.
Referências:
[1] PESSANHA, Roberto Moraes. Blog do autor e Portal 247 em 13 jul. 2021. Nubank é reflexo da dominação tecnológica em meio à hegemonia financeira. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/nubank-e-reflexo-da-dominacao-tecnologica-em-meio-a-hegemonia-financeira ou disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2021/07/nubank-e-reflexo-da-dominacao.html
[2] Matéria da UOL em 1 jun.
2021. BOMFIM, Mariana. Competição com
fintechs beneficia clientes de bancos, mas não derruba juros. Disponível
em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/06/01/fintechs-bancos-competicao-juros.htm?fbclid=IwAR1lUcKrv3xbUjkCkjy5tgVGIMSk2P2sUSli12pGY8YjuDnDdhExmrjpFmA
[3] PESSANHA, Roberto Moraes.
Blog pessoal em 9 jun. 2021. A ilusão da
desconcentração do setor financeiro brasileiro criada com o caso Nubank.
Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2021/06/a-ilusao-da-desconcentracao-do-setor.html
[4] PESSANHA, Roberto Moraes.
Blog pessoal em 9 jun. 2021. Caso Nubank
e o setor bancário mostram aumento do protagonismo dos grupos financeiros
privados no Brasil. Disponível em: http://www.robertomoraes.com.br/2021/06/o-caso-nubank-e-o-setor-bancario.html
[5] PESSANHA, Roberto Moraes. A ‘indústria’ dos fundos financeiros:
potência, estratégias e mobilidade no capitalismo contemporâneo. Rio de
Janeiro: Consequência, 2019.
[6] LEVY, Pierre. Entrevista ao
valor em 23 out. 2020. FERNANDES, Daniela. “Gigantes
da web são novo Estado’, diz Pierre Lévy. Google, Apple, Facebook, Amazon
dominam infraestruturas e detêm poder que vai além do econômico, segundo
filósofo Pierre Lévy. Disponível em: https://valor.globo.com/eu-e/noticia/2020/10/23/gigantes-da-web-sao-novo-estado-diz-pierre-levy.ghtml
ou as ferramentas oferecidas na página.
[7] PESSANHA, Roberto Moraes. Blog do autor e Portal 247 em 4
jun. 2021. Capitalismo sob a hegemonia
financeira e o poder no Brasil atual. Disponível em: https://www.brasil247.com/blog/capitalismo-sob-a-hegemonia-financeira-e-o-poder-no-brasil-atual
ou disponível: http://www.robertomoraes.com.br/2021/06/capitalismo-sob-hegemonia-financeira-e.html
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A mais valia negando o capitalismo
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