Além da análise mais macro sobre os caminhos do “capitalismo da gestão de ativos” na era da dominação tecnológica e hegemonia financeira, eu resolvi observar mais perto os caminhos da financeirização digital (home banking e a fintechs).
Assim, resolvi descer para uma investigação
mais próxima da nossa realidade com uma pesquisa no âmbito micro sobre as
fintechs. Escolhi iniciar pela player, atual campeã, do setor de varejo digital
de crédito no Brasil, o Nubank. Observar como o Nubank funciona na prática para
as pessoas.
A líder Nubank hoje já possui
quase 40 milhões de contas e alcançou valor de mercado que já é superior a US$
30 bilhões, cerca de 50% maior que o valor do Banco do Brasil. Crescimento que
no último mês se deveu também ao aporte de capital feito pelo fundo do Warren
Buffet de cerca de R$ 2 bilhões. Hoje, o Nubank é a quinta instituição
financeira mais valiosa do Brasil, atrás – na ordem - do Itaú, Bradesco,
Santander-Brasil e BTG e o 5º maior banco digital do mundo.
O Nubank ultimamente vem
crescendo sua carteira de clientes na faixa de 41 mil novas contas por dia. Possui apenas 5
mil funcionários contra cerca de 90 mil do Bradesco ou do Itaú que como bancos
tradicionais ainda contam com milhares de agências pelo país. O Nubank é apenas um
APP. Um banco digital. Home banking, ou Internet banking. Ou uma fintech,
acrônimo que reúne as palavras finanças e tecnologia.
Em termos práticos, entre 5 e 10
minutos, depois de baixar o APP do bando digital, eu já tinha aberto a conta e
logo em seguida já pude realizar como teste, a transferência de um valor do meu
banco usual para essa conta do Nubank que de forma online no mesmo momento
acusou o crédito.
Em seguida, recebi por email a
informação de que estavam enviando para o meu endereço um cartão, ao mesmo
tempo que ofereciam uma opção de “guardar dinheiro”, uma espécie de conta
remunerada para ser baixado a qualquer momento, com pagamento de rendimento de
100% do CDI, superior à poupança em muitos CDBs.
Certamente é coincidência, porque
não vou acreditar em teoria da conspiração, mas logo que acabei de realizar o
teste, eu recebi em meu celular uma ligação do tal Itaú Personalité com ofertas
parecidas.
Porém, o que interessa nesse caso
é identificar que essas facilidades e desburocratização ajudam a explicar o
sucesso dessas fintechs entre a população, em especial, a mais jovem e mais
endinheirada, que domina com maior destreza esses mecanismos do mundo digital.
Os bancos não se interessam pela periferia do sistema onde estão as pessoas de
baixa renda e sem propriedade.
A lógica da intermediação financeira via startups e Internet banking e
fintechs
Enfim, a internet banking -
fintechs - é uma forma de uso das plataformas digitais que realiza a
intermediação financeira, que antes era feita por uma agência bancária tradicional
e agora é executada automaticamente por um aplicativo.
É bom que seja lembrado que estes grupos trabalham com potentes mecanismos de Inteligência Artificial (IA) tanto para identificar seus atuais clientes, como para captar depósitos e contas e ainda monitorar o uso que fazem de suas finanças. O cruzamento destes dados com outros interesses e perfis de milhões de pessoas potencializam seus negócios financeiros.
Banco de dados são comprados por valores altíssimos para aperfeiçoar as buscas de informações para que o cruzamento de dados se efetive como a alma do negócio-chave das fintechs: intermediação financeira ágil e de massa. Os dados trabalhados de forma inteligente substituem os antigos bancários.
O uso dos aplicativos também vem
sendo ampliado pelos bancos tradicionais, mas com resultados mais modestos em
termos de captação de novas contas e/ou clientes. Apesar desse movimento, a
concentração bancária no país ainda é muito grande. Em 2018, era de 84,8% e no
final de 2020, ainda estava em 81,8%, com queda de apenas 3%.
Para se analisar o setor
bancário os economistas dizem que é necessário observar o que eles chamam de
três agregados contábeis: ativo total; depósito total e operações de crédito. Este último muito relacionado, mas não diretamente, ao número de clientes ou contas.
Ainda, segundo segundo o Banco Central, em termos de operações de crédito, em 2018 no Brasil quase metade (48,9%) delas eram realizadas pelos bancos públicos (BB, CEF e BNDES). Mas, em 2020, já se podia observar como cresce rapidamente, a participação dos bancos privados, quando as operações de crédito nos bancos públicos tinham caído para 42,8%. Ou seja, atualmente, quase 60% já são realizadas pelos bancos privados aí incluídos as fintechs.
O mais interessante deste
processo é que essas bancos digitais (internet banking) ganham com a enorme
redução de despesas por não possuírem agências físicas e terem um número muito menor de
trabalhadores (bancários), o que aumenta bastante os seus lucros.
Além disso, a captação de clientes e investimentos pelas fintechs é muito mais barata. Aliás, também segundo o BC, esse é o maior peso no índice de Custo de Crédito (ICC) dos bancos, cerca de 31%, acima até das despesas administrativas que são estimadas em 21%. É com esta redução de custos, de cerca de 50%, que os bancos digitais estão oferecendo algumas vantagens, embora, os juros dos seus créditos sejam tão altos quanto dos chamados bancões (tradicionais) no Brasil, que são conhecidos como os maiores do mundo.
Por tudo isso, é possível afirmar que estamos diante de um
movimento também no setor bancário - muito vinculado ao mercado de capitais e
fundos financeiros – de um expressivo aumento do controle do mercado sobre a
política econômica que também define o direcionamento do crédito, entre os setores da
economia e a distribuição regional (espacial) no Brasil. O Estado
segue aceleradamente, perdendo o seu protagonismo.
A dominação tecnológica reforçou o protagonismo do mercado das finanças nas relações com a sociedade sem regulação do Estado
Assistimos a um movimento que explica
como o capitalismo foi se tornando hegemonicamente financeiro. A
Plataformização (e/ou Appficação) das finanças mostra como a dominação
tecnológica amplia a hegemonia financeira, ao mesmo tempo em que extrai mais
valor da renda do trabalho, amplia a taxa de lucro e torna o trabalho mais
precarizado.
O capital flui de forma mais
livre, desregulamentada e num circuito imbricado entre as finanças globais e
nacionais. Um processo que demonstra como o mercado ampliou o seu protagonismo
nas relações com a sociedade que antes eram mediadas e reguladas pelo Estado.
Na essência, as finanças não
criam valor como defendem os economistas neoclássicos. As finanças não são um
setor e sim um “acordo contratual” de intermediação e circulação do dinheiro e
do crédito. O que há é que intermediação (circulação) financeira foi extremamente
facilitada com o mecanismo das plataformas digitais e da Internet
Banking, se tornando ainda mais lucrativa.
Por tudo isso, eu tenho insistido para a necessidade se compreender porque o Brasil de hoje é tão distinto de duas décadas atrás. Não haverá saída sem que o Estado retome esse protagonismo, sua autonomia e soberania nas relações entre o mercado e a sociedade.
PS.: Atualizado às 18:36: com ajustes na redação do texto em alguns parágrafos para torná-lo mais compreensível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário