O furo de reportagem do Portal 247 (aqui) que trouxe com a divulgação do áudio do banqueiro André Esteves em reuniões com investidores permite uma série de leituras em várias dimensões e profundidade. Link do áudio no Youtube: https://youtu.be/vwrSOb3m3sE
Uma primeira é no campo da política com as opiniões dele (setor
financeiro da Faria Lima) sobre a pauta política no Brasil, sobre as eleições de
2022, sobre os candidatos e suas preferências. E ainda como este setor intervém
sobre poder político, judiciário, mídia, etc. no Brasil atual.
Certamente este é o ponto do áudio que já gera e vai
continuar gerando maior repercussão e produzirá ainda muitas discussões e
debates. O banqueiro André Esteves fala como quem tem autoridade e muito poder
e também expõe claramente a submissão que conquistou junto ao poder político,
tanto o Executivo quanto o Legislativo. As pesquisas frequentes (quanti e
quali) que banca – e que custa muito dinheiro - já é uma referência sobre como
joga o “jogo do poder”.
Esteves deixa claro que hoje a Faria Lima tem maior
interlocução com o Centrão de Arthur Lira, do que com os tucanos, que antes
atuavam, basicamente, como os intermediários entre o mundo das finanças da
avenida Paulista e o poder político central em Brasília.
Porém, escolhi chamar a atenção para uma outra dimensão da
fala do banqueiro André Esteves: o modus operandi do setor financeiro no Brasil
atual. O dono do BTG Pactual diz que o Brasil está entrando tardiamente - 20
anos depois – no esquema global da securitização das finanças. A máquina das
dívidas que ganha mais no volume de endividamento e não apenas nos juros antes
mais altos.
Esteves dá uma explicação muito clara sobre como o Brasil financeiro
se insere tardiamente no que ele chama de movimento global “Financial Deep”, ou
aprofundamento da financeirização. Ou seja, André fala como está sendo implantado
aqui no Brasil, o conjunto de inovações financeiras através de múltiplos tipos
de derivativos de forma semelhante ao que foi feito no entorno da virada de
século nos EUA e centro do capitalismo. Um processo que cresce a partir de 2001
de forma completamente desregulada. O dono do Pactual deixa claro que é nessa linha
que estão sendo implementadas mudanças na intermediação financeira (tardia) no
Brasil.
O mais interessante deste processo é que André Esteves deixa
ainda muito claro, quem são os agentes e que mudanças são essas nos processos de
intermediação financeira em curso no país, com a implantação destas inovações,
mais papeis, meios digitais, etc. no mercado.
Entre outras coisas, estes agente buscam ampliar a integração
do mercado de ações e fundos financeiros (Anbima), Bolsa e bancos tradicionais,
etc. para que estas inovações garantam maior capacidade de lucros e acumulação para
o setor financeiro brasileiro.
Esteves expõe uma autossuficiência que só parece embutida na
fala de quem tem realmente poder. Na maior parte das respostas o dono do BTG não
fala de projetos, mas de transformações em curso. Esteves descreve a integração
de uma “cadeia’ que é muito semelhante àquela que é descrita no documentário
Inside Job (2010), que descortinou as estratégias e ações sobre como o setor
financeiro americano (integrado a outros mercados) produziu a crise do subprime
em 2008 em todo o mundo, a partir dos EUA e de uma completa desregulação, ou
mesmo farra com as inovações financeiras através de papeis e derivativos.
O impactante filme Inside Job mostrou os mecanismos de
aprofundamento do lançamento de “inovações financeiras”, controle do poder
político (Deep State) e controle de instituições e poder judiciário que
permitisse essa “autoregulação” do setor financeiro que a Anbima tem defendido
abertamente no Brasil.
De certa forma André Esteves descreve como pensa a “cadeia
alimentar da securitização” no Brasil, de forma similar à “Securitization Food
Chain” implantada nos EUA. De certa forma, aí André Estrves localiza o seu
banco, o BTG Pactual onde tem o projeto de que ele possa assumir o papel de um
novo BNDES, só que privado como são os bancos de investimentos americanos
(Goldman Sachs, Morgan Stanley, Lehman Brothers, Meril Lynch).
Não é difícil imaginar como hoje Esteves desenha
institucionalmente esta cadeia de securitização no Brasil, assim como ele vê a relação
do seu e demais bancos e fundos de investimentos privados nacionais com os
bancos tradicionais. De forma similar à articulação dos bancos de investimentos
com os conglomerados financeiros americanos: CitiGroup e JP Morgan entre outros.
E também, a relação entre as seguradoras e as agências de rating. Estas últimas
que atuam no Brasil fariam o trabalho de controlar e monitorar esta cadeia de
securitização brasileira para o andar de cima.
Esteves diz abertamente que o Brasil já tem “um dos mercado
de capitais mais vibrantes do mundo”. Não diz, mas se sabe, que os donos dos
dinheiros, se orgulham de atuarem de forma autorregulada, sem poder de fato da
CVM e nem do Banco Central, cujo presidente, Campos Neto, Esteves confessa no mesmo áudio, que
lhe pede opiniões e sugestões na articulação deste “Inside Job tupiniquim”, que
para ele é parte da implantação da “modernização e aprofundamento das inovações
financeiras na linha do Financial Deep global.
Há muito mais a ser ainda compreendido a partir deste áudio. Na prática ele pode ser visto como uma miniaula (empírica) sobre o mundo real dos farialimers e de como o setor financeiro vem controlando a política e garantindo a hegemonia deste setor em nossas vidas.
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