A guerra EUA-OTAN x Rússia tem três dimensões ou elementos que se interagem transversalmente, conforme o nível da disputa das relações de poder envolvida. 1) Guerra tradicional/híbrida; 2) Financeira/sanções; 3) Cibernética e digital.
Assim, como em outras guerras, começa pela primeira dimensão
e depois oscila também para as demais que antes ou não existia (cibernética) ou
era menos importante, como a econômico-financeira, nestes tempos de mercados e
finanças globalizadas.
Não é difícil perceber que estamos agora no auge da dimensão das sanções financeiras, a maior já havida até hoje em conflitos no planeta. E tem os EUA na cabeça que é quem controla a moeda de conversão e de comércio mundial e assim, a grande maioria dos fluxos da financeirização ao nível global, agindo contra uma grande potência, porque em suma se trata de uma guerra EUA x Rússia. Sendo assim, não se pode deixar de observar que na cabeça da financeirização global estão os maiores fundos financeiros globais.
Os fundos de investimentos lubrificam a financeirização que se tornou hegemônica
Dos dez maiores, nove são dos EUA, alguns em parcerias com grande financistas do Reino Unido. No topo desta lista é o conhecido fundo americano, Black Rock, criado em 1990 e que hoje controla volume de ativos superior US$ 9 trilhões, cerca de 15 vezes o confisco que os bancos americanos fizeram das reservas russas e quatro vezes mais o PIB russo.
Já tratei no meu livro “A
´indústria´ dos fundos financeiros: potência, estratégias e mobilidade no
capitalismo contemporâneo”, editora Consequência, 2019, que os fundos de
investimentos, controlam de forma crescente (em especial, depois da crise do subprime, em 2008/2009), tanto os ativos
reais (produtivos), quanto ativos financeiros (títulos, papeis, ações, mercados
futuros, etc.), em nações de todos os continentes do mundo. Assim, o
instrumento dos fundos são hoje responsáveis, em boa monta pela acelerada
financeirização ao nível global.
Nesse sentido, podemos afirmar que os fundos lubrificam a financeirização que contribuiu em boa parte pela hegemonia no capitalismo contemporâneo, globalizado que agora é colocado em xeque no confronto direto entre duas potências mundiais: EUA x Rússia.
A guerra financeira, os fundos, o sistema interestatal e a disputa por hegemonia
Os fundos de investimentos também investem na economia da guerra e das armas, embora pouco se fale disso. Porém, a repercussão das sanções econômicas não são simples de serem medidas e nem compensáveis.
A Ucrânia e seu povo sofrem essa disputa, que nessa fase se
fortaleceu em termos geoeconômicos, mesmo que em meio a movimentos
geopolíticos cujos resultados só adiante serão percebidos.
É nesse contexto que o freio dos fluxos financeiros, o abandono
de empresas e ativos na Rússia, os bloqueios de suas exportações de petróleo e
minerais, as consequências da interrupção no fornecimento de insumos e
interrupções, as quebras de várias cadeias produtivas regionais, etc. já
produzem impactos para as pessoas, nações e para esses grandes fundos globais que
possuem controle centralizado nos EUA.
A guerra financeira nunca terá uma direção única como o de
uma bomba. Como a globalização os ativos estão interligados, a explosão vai em
várias direções e em efeitos sinérgicos. Os custos das pessoas e das empresas já
aumentaram com energia e com alimentos. Junto puxa a inflação nos diferentes
países, mesmo que em proporções distintas decorrentes dos impactos diversos em
cada cadeia, mas em todos, fortemente influenciados pela energia e alimentos.
Assim, a recessão tende a se ampliar também com a redução da
produção e do comércio. É nesta toada que os ativos (reais ou financeiros)
perderão igualmente, como valor real. É certo que a periferia sempre
perderá mais, porque não detém os meios que as finanças centralizadas dispõem.
A guerra sempre tem um grau de irracionalidade que depois os
líderes tentam superar. Porém, já é possível perceber que a globalização sofre
um freio com esse fenômeno da guerra EUA-OTAN x Rússia. As nações tendem a
olhar mais para dentro, para suas defesas e para as suas necessidades estratégicas.
É óbvio que isso não interessa aos fundos financeiros globais. E se é verdade que a guerra financeira afeta os fundos globais ela também afetará os fundos financeiros regionais que aos globais estão imbricados.
Os fundos com suas plataformas digitais ‘online’ que funcionam
24 horas, monitoram todos os movimentos do mercado em que atuam e já devem identificar
as tendências. Onde os fluxos se reduziram, foram trocados, os by-pass criados,
etc. Geoeconomia determinando nova geopolítica. Por isso uma guerra entre
potências (EUA x Rússia) não tem como não ser vista como um conflito de
proporções globais
O Black Rock possui a potente plataforma Aladdin com trabalho de equipes com milhares de economistas, matemáticos e técnicos de computação em telas de 360º. Usam IA e redes de
computadores expostas em tema que monitoram simultaneamente esses dados.
Observam seus efeitos em modelagens e programações de algoritmos com
aprendizado de máquinas (learning machine).
Não é por outro motivo que o Black Rock trabalha, essencialmente com o ETF, um
fundo de índices que visa ganhar como inovação tecnológica financeira com o monitoramento da totalidade.
Os fundos chineses são poucos conhecidos e articulados junto
aos seus grandes bancos estatais. Eles possuem relações com alguns destes
fundos do Ocidente, mas se movimentam com lógicas distintas por isso, devem ser
bem menos afetados. De novo, há que se observar a tendência do Oriente se
distanciar do Ocidente não apenas por conta da russofobia.
É evidente que são grandes os temores dos proprietários
destes capitais, hoje sob a gestão destes fundos financeiros gigantes que operam
juntos, e em articulação, com o Estado americano.
Neste sentido, é provável que seus gestores (Larry Fink, em
especial) tenham feito uma aposta com o Poder Político da Casa Branca. Uma
aposta de médio prazo de olho na manutenção da hegemonia geopolítica e
financeira americana, ainda muito vinculada à moeda americana.
Porém, bombas nucleares financeiras como essas das sanções
gigantes que estão sendo escaladas, não são possíveis de serem modeladas
antecipadamente. Seus resultados ainda estão sendo medidos. Os by-pass
monitorados entre fluxos subterrâneos, mercado negro, criptomoedas e outros.
O fato é que os proprietários destes ativos dos grandes fundos globais, também estão sendo atingidos, mesmo que muito menos que as pessoas, mas tendem a reagir. Observemos, pois, os movimentos e falas dos seus líderes e, então, enxergaremos melhor, os impactos da sangrenta guerra e veremos que a crise tende a se ampliar. Apertem os cintos o hegemon pode estar à prova.
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